Modas e tendências

Arquiprom-moda, Brasil, 20/08/1973. Foto de Chico Albuquerque/ Acervo Instituto Moreira Salles.

O leitor há de desculpar o assunto esgarçado, mas moda dá muito pano para manga. No mês passado, falamos sobre os pitacos de Lima Barreto a respeito dos trajes das moças, em acelerada evolução durante aquele fervo da aurora da República. Décadas depois, os panos e as tendências continuaram em voga, vira e mexe desfilando nas páginas dos cronistas, que estão sempre de olho nos hábitos das gentes.

Em 1968, vendo a juventude resgatar costumes antigos como a costeleta e o bigode, Carlos Drummond de Andrade clamou nos jornais pela volta do “digno” e “respeitável” colarinho duro de ponta virada. Na sua crônica “Colarinho, por favor, o colarinho”, um manifesto pela retomada de “tão altaneiro, majestático, elegantérrimo” artigo da indumentária masculina, o poeta apelou aos estilistas que tomassem uma atitude. Se até o velho dólmã de brim cáqui – aquele blusão do Mao-Tsé Tung –, muito usado antigamente em Minas Gerais “no trivial da semana para economizar gravata”, estava de volta à moda, “que motivo há para desprezarmos seu contemporâneo, o colarinho de ponta virada, de praxe nas grandes ocasiões e até nas médias?”.

Não só de golas ordinárias o colarinho duro de ponta virada tinha sido dispensado. As autoridades também andavam de pescoço relaxado, inclusive os autoritários, como o marechal Costa e Silva, cujo duríssimo cachaço era visto sem moldura em solenidades. Era urgente, portanto, o resgate do colarinho. Não faria mal se, para fisgar a juventude, ele viesse com modernidades, como “uma ponta verde e outra vermelha, bem psicodélicas, ambas em forma de lira, bem art-nouveau”. O importante era enrijecer a postura. “Hay que endurecerse”, poderia ter dito Drummond.

Paulo Mendes Campos, que ao longo da vida teve diversos endereços, constatou que o carioca era o povo que mais valorizava os panos alheios. “Não conheço outra cidade em que a roupa tenha tanta importância como aqui no Rio”, escreveu em “O carioca e a roupa”, de 1959.

Em Minas Gerais, sua terra natal, confessar que uma gravata tinha sido barata “é um motivo de orgulho, de ampla e sorridente satisfação”. No Rio de Janeiro, pelo contrário, “o sentimento de exaltação superior nasce quando se pode dar para a gravata um preço alto que surpreenda o interlocutor”. O carioca tem “o gosto e o dom de igualar os homens”, sabe valorizar em cada um sobretudo “a sua capacidade de convívio”, mas não é capaz de abrir mão da boa costura.

Na “terra que inventou e venera a lista dos dez mais, que realiza quase semanalmente um concurso de elegância”, as pessoas falam com franqueza de suas turras financeiras, mas exageram “o preço de seus ternos e de suas camisas”. É o seu ponto fraco. Experimente, com o mais feliz morador do Rio, “colocar em dúvida a qualidade de sua roupa”, e veja um “sorriso zombeteiro” se transformar “numa expressão soturna e sofredora”.

Sempre foi assim. Num passado nem tão distante, nos conta Otto Lara Resende em “Da casaca à sunga”, as grifes em voga na então capital federal eram de Paris e de Londres. “Você olha uma fotografia do princípio do século e não acredita que aquele pessoal tão encasacado morasse numa cidade quente como o Rio”, diz o cronista. Todos enchapelados e enroupados, com ternos completos de três peças: calça, colete e paletó.

As autoridades só apareciam engravatadas. Com o tempo, a modernidade passou recolhendo “fraques e casacas, redingotes e polainas”, inclusive dos presidentes. Juscelino, como mostram as fotografias da inauguração de Brasília, em 1960, seguia o protocolo do enxoval, mas já não vestia nada na cabeça. Na sequência, Jânio Quadros governou o país metido no “pijânio”, espécie de túnica de mangas curtas e bolsos largos, que por pouco não se tornou uniforme obrigatório para os funcionários federais. Figueiredo, o último general da ditadura, posava de calção enquanto fazia caminhadas. Mais adiante, Collor aparecia toda hora de sunga, com a silhueta de garotão bon-vivant. “Novos tempos, nem sunga ninguém estranha”, escreve Otto nos primeiros dias de 1992, sem nem desconfiar do que ainda viria por aí.