Carlos Drummond de Andrade

Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) foi um dos mais assíduos cronistas da imprensa carioca. Por 30 anos a fio, acompanhou o café da manhã dos leitores nada menos que três vezes por semana. Primeiro, a partir de 1954, no Correio da Manhã. Depois, no Jornal do Brasil, desde outubro de 1969 até se despedir do colunismo, em setembro de 1984.

Tanta prosa nunca o impediu de ser constantemente apontado, sobretudo, como poeta. No ritmo de sua “musa semanária”, ele preferia andar a pé pela cidade, em contato com os semelhantes, ou em passeio imaginário pelo mundo natural, sempre solidário aos animais. Sua crônica se interessa mais pela circulação do poeta do que pela elevação da poesia. Mas a alta reputação de seus versos dava à coluna de CDA uma aura diferente: entre os cronistas adorados pelo público, aquele seria por excelência o “poeta-cronista”.

Assim como existe o “poema em prosa”, o Drummond da crônica encarna uma espécie de “poeta em prosa”. Seria o prosador que fabrica para si uma persona (ou “máscara”) de poeta de férias, ao mesmo tempo convivial e estrangeiro. Ao descer de seu apartamento (“silencioso cubo de treva”), mas usando o elevador e não a janela (“um salto, e seria a morte”), ele se vê, de repente, em plena Copacabana. E muda de atmosfera: sua penumbra existencial se converte em manhã clara, e ele passa a escrever “em estado de crônica, isto é, sem atormentar o leitor”.

Sua conversa diurna é deliciosa, mas ele não sabe esconder aquela “pinta de loucura mansa” que tem em comum com seu alter ego, o “paisano” João Brandão. O abrandamento da poesia na prosa permite ao leitor experimentar momentaneamente, no prazo de cada texto, aquela oscilação “entre a rotina palpável e a aventura imaginária” que Drummond atribui ao “joãobrandonismo geral”.

Os acontecimentos, que tanto aborrecem o poeta, para o poeta-cronista são objeto de avidez insaciável. Mas o que ele busca no noticiário não é a informação, simplesmente, e sim a oportunidade lúdica de subvertê-la. É ele quem realiza a função do “segundo caderno”, que (como disse Drummond em entrevista a sua filha, Maria Julieta) é “corrigir o que tem no primeiro”.

Deve ser por isso que, na sua coluna, bicho também é notícia. O bestiário drummondiano vai desde os animais de estimação, mais próximos da rotina, até os selvagens, que convidam à aventura, passando também pelos que foram por nós confinados ao zoo. 

Assim sua prosa pode abordar os grandes temas de sua poesia, como a dolorosa alienação que se estabeleceu entre o ser humano e a natureza. Mas, se o faz de modo menos atormentado, nem por isso é menos gauche.

Escrita a pé, sua crônica está sempre a um passo da fábula. Fala, amendoeira é o nome de uma de suas coletâneas. Outra, significativamente, chama-se De notícias & não notícias faz-se a crônica, com a lembrança de que, sem a ficção (que a poesia e a prosa podem ter em comum) não se refaz o laço perdido entre o indivíduo e seu semelhante, o humano e os outros bichos, a vida moderna e a natureza.

 

Sérgio Alcides