Paulo Mendes Campos

Paulo Mendes Campos (1922-1991), um dos grandes mestres da crônica brasileira, foi também um poeta de alta qualidade, e passou a maior parte da vida na batalha para “coordenar com harmonia” as duas frentes, conforme disse numa entrevista: a “necessidade instintiva de escrever poemas com a realidade objetiva de ter que sobreviver da minha máquina de escrever”. Na avaliação do jornalista e poeta Wilson Figueiredo, companheiro de juventude em Belo Horizonte, PMC era “literariamente ambidestro”: nele, poesia e prosa “brotavam da mesma fonte pessoal e corriam em leitos separados mas paralelos. Encontravam-se nele, não no infinito.”

Quem lê a prosa refinada do escritor mineiro – nascido no arraial de Saúde, hoje Dom Silvério, criado em Belo Horizonte a partir dos 4 anos e instalado no Rio de Janeiro aos 23 – há de estranhar o aparente pouco caso com ele se referia àquele que foi, para ele, um gênero de primeira necessidade. “Crônica são duas laudas de papel em branco”, dizia, “é a azeitona do pastel cultural”, agindo “como o tempero da massa noticiosa.”

Vai muito além disso, com certeza, a crônica de PMC, escrita, em ritmo por vezes diário, para jornais como Correio da Manhã, Jornal do Brasil e Diário Carioca, e para revistas como Manchete, semanário onde tinha a companhia de Rubem Braga, Fernando Sabino e Henrique Pongetti. A partir de 1960, com O cego de Ipanema, selecionou crônicas para sete livros, o último dos quais, Trinca de copas, saiu em 1984. Ao lado de Braga, Sabino e Carlos Drummond de Andrade, participou dos cinco primeiros volumes da série Para gostar de ler, da editora Ática, dos quais se nutririam sucessivas gerações de estudantes.

Levado por um AVC aos 69 anos, toda a sua obra de cronista, aí incluídos inéditos em livro, seria organizada, por critério temático, pelo jornalista Flávio Pinheiro. Editada hoje pela Companhia das Letras, dela fazem parte, até agora, O amor acaba, O mais estranho dos países, Cisne de feltro e, sem a participação de Pinheiro, Diário da Tarde e Primeiras leituras, seleta cujo interesse não se limita ao público jovem para a qual foi prioritariamente concebida. Do Diário da Tarde há ainda uma edição em formato tabloide, ilustrada, lançamento do IMS.

Por onde começar? São muitas as entradas, capazes todas de levar à gratificação literária. Pois PMC, como observou Flávio Pinheiro, tinha “olhar perspicaz para descobrir o sabor oculto nas miudezas e circunstâncias da vida, humor e ironia refinados e uma destreza para lidar com as palavras decantada em invenção poética”.

Humberto Werneck