Otto Lara Resende

Otto Lara Resende (1922-1992) é um caso raro de cronista tardio. Desde a juventude, é verdade, este mineiro de São João del-Rei publicou crônicas aqui e ali, ao sabor de convites de revistas e jornais. Mas para valer, ou seja, em regime de colaboração regular, só se engajou no gênero a menos de dois anos de morrer das sequelas de uma cirurgia de coluna. Relutante, estreou na Folha de S.Paulo em 1º de maio de 1991, data em que chegava aos 69. A coluna de estreia tem como título “Bom dia para nascer” – bom “não por ser o Dia do Trabalho”, explicou ele com bom humor muito seu, “mas por ser feriado”. A última, “Águia na cabeça”, seria publicada em 21 de dezembro de 1992, uma semana antes de sua morte.

Escrevendo três vezes por semana na sisuda página 2 do jornal paulistano, Otto, para lá de maduro, tornou-se quase instantaneamente uma grande novidade na imprensa brasileira. Ao todo, deixou ali 508 crônicas, despretensiosos textos que, antes mesmo de chegarem a livro, trouxeram uma notoriedade com que não contava o romancista de O braço direito e contista de Boca do inferno, As pompas do mundo e O retrato na gaveta, obras de ficção que em 1979 lhe haviam garantido entrada na Academia Brasileira de Letras.

Jornalista visceral, o cronista Otto Lara Resende não se furtava a tratar de temas políticos então imperiosos, em especial os escândalos que levariam, em 2 de outubro de 1992, ao afastamento do presidente Collor, cujo afastamento definitivo se daria em 29 de dezembro – dia seguinte ao falecimento do escritor. Mesmo quando glosavam assuntos do noticiário político, no entanto, as crônicas de Otto iam muito além do mero comentário, o que conferiu a muitas delas um interesse atemporal que as tornaria dignas de figurar em livro. Poucos meses após a sua morte, chegava às livrarias a coletânea Bom dia para nascer, com 192 crônicas, às quais outras 72 seriam incorporadas em 2011. Em outro gênero, o ensaio, textos de Otto Lara Resende originalmente publicados na imprensa também renderiam um precioso volume póstumo, O príncipe e o sabiá

Nas suas crônicas, o leitor vai encontrar lampejos do legendário brilho verbal de um grande frasista que, perdulário, esbanjava talento na conversação, a ponto de Nelson Rodrigues – que fez dele personagem obsessivo, chegando a usá-lo como título de uma peça de teatro, Otto Lara Resende ou Bonitinha mas ordinária – ter sugerido pôr alguém nos calcanhares do escritor mineiro, para recolher pérolas a serem vendidas numa “Loja de Frases”. Quem duvida de que se perdeu aí uma bela ideia?

Humberto Werneck