Max Bill. Unidade Tripartida, São Paulo-SP, 1951. Foto de Hans Gunter Flieg/ Acervo Instituto Moreira Salles.
Ao longo da jornada, todo escritor profissional se depara com aspirantes em busca de conselhos. No geral, são jovens sedentos por aplacar suas angústias existenciais, às voltas com os mistérios da criação. Acontece que, mais por excesso de sinceridade que falsa modéstia, os que procuraram os nossos cronistas não receberam recomendações muito animadoras. Os mestres da literatura pingada no jornal variaram nos tons das respostas, mas concordaram em um ponto: escrever só vale a pena se for realmente imprescindível.
É este o primeiro conselho de uma longa lista que Carlos Drummond de Andrade publicou em 1953. “A um jovem” resume a conversa que o poeta teve com um pupilo na noite anterior. Em sua série de anticonselhos, como preferiu chamá-los, há vários apontamentos que, embora pareçam desoladores à primeira vista, são de valor inestimável a quem souber digeri-los bem. Por exemplo: não acredite na originalidade nem na banalidade, “que é a originalidade do mundo”; leia muito, esqueça mais ainda; descarte ideias repentinas, pois “o acaso é mau conselheiro”; e não dispute prêmios literários, pois o pior que pode acontecer é ganhá-los das mãos de colegas “que o seu senso crítico jamais premiaria”. Lute você ou não com as palavras, vale a pena ler todos os juízos agridoces de Drummond sobre a profissão.
Rachel de Queiroz foi mais desesperançosa ao se dirigir às moças que a procuravam. Pessimista desde o título – “Não escrevam” –, a cronista tratou de tirar as jovens do caminho das letras e encaminhá-las para expressões mais dignas, como a música, o balé ou o teatro. Isso porque, enquanto os artistas dessas linguagens podem interpretar e transmitir o sentimento de terceiros, o escritor só tem o próprio coração para expor. “Escrever é um ofício sórdido”, continuou, “é girar em torno de si próprio”, muitas vezes em vão. Se seguissem a carreira literária, afirmou a autora calejada, ao fim da vida estariam todas lamentando “o temps perdu num mundo imaginário, onde o sangue é tinta, a carne é papel”.
Bem menos tenebroso foi o Velho Braga em “O telegrama”. De sua sucinta lista de recomendações: escrevam com indignação quando estiverem indignados; se olhando pela janela acharem que a manhã está muito bonita, escrevam exatamente isso: “a manhã está muito bonita”; jamais digam que “estão com vontade de morrer quando acontece que estão com vontade é de tomar banho de mar”; e, por fim, evitem fazer “mistério das coisas simples”, pois elas já são misteriosas o suficiente.
José Carlos Oliveira, por sua vez, decidiu compartilhar uma experiência pessoal ao receber de um rapazote a queixa de que sentia sua veia artística truncada. Aos 20 anos, Carlinhos também ficou “completamente vazio”, de repente, conta em "A um jovem escritor". Passou muito tempo escutando a voz do seu silêncio “enquanto namorava a sorte” dos grandes autores desesperados. Via seus companheiros de geração passando à frente, um por um, e ele nada. “És um estilista à procura de um tema”, diziam-lhe alguns. Ou seja, levava jeito para a coisa, mas não tinha a própria coisa.
Aos poucos, foi compreendendo que seu caso não era literário, mas religioso. “Sabia muitíssimo bem onde é que estava a literatura”, sabia onde estava o barulho, mas obstinava-se na procura de seu silêncio. Sua questão, portanto, era de salvação. Foi preciso beber dos existencialistas para aprender “a enormidade da solidão dos homens”. Então, deixou que todos os seus sonhos de glória se desvanecessem. Renunciou à Academia, ao Prêmio Nobel, e “gostosamente” se entregou à frivolidade. Tornou-se um escritor gasto e, por isso, não era capaz de aconselhar ninguém: “Só conheço aquilo que se passa na minha alma”, justificou-se. No fim das contas, neste mundo enfermo, tudo que cabe ao escritor é “a dura tarefa de exorcizar o demônio que traz em si mesmo”, concluiu o cronista, não sabemos se para o auxílio ou o completo desespero daquele jovem rapaz.