Fonte: Manchete, nº 329, de 9/08/1958.
Eu estava domingo de tarde, no apartamento de um amigo, em um quinto andar da avenida Atlântica. Fiquei um momento à janela vendo, lá embaixo, as pessoas que passeavam com um ar palerma e feliz e os carros que desfilavam lentos e impacientes, como aborrecidos de estar juntos a queimar gasolina na tarde quente e vadia. O azul do mar ia ficando levemente cinza e as ilhas pareciam flutuar no horizonte.
Afastei-me um instante — e quando voltei à janela havia uma grande nota colorida, escandalosa, na paisagem. Um vendedor de balões de borracha — vermelhos, azuis e amarelos — amarrara um feixe de balões a um tronco decepado de árvore. E aquele monte de bolas de cor viva, movendo-se ao vento escasso, atraía as crianças que passavam. Vi duas ou três que se aproximavam, puxando os pais por um braço, apontando com o dedinho aquela tentação de cores. E aos poucos o homem ia vendendo algumas bolas: cá de cima vi quatro ou cinco que se destacavam aos poucos do grupo, cada uma em uma direção. Pareciam coisas vivas, leves e estranhas coisas, feitas de ar e de cor, que se movessem, se juntassem e separassem por conta própria. E a tarde, naquele quarteirão diante do mar, foi ficando enfeitada de uma alegria ingênua.
Eu voltara para dentro, alguns minutos depois, quando chegou mais um amigo para o nosso grupo — e disse que o “rapa” acabara de passar lá embaixo e apreendera os balões de borracha. Não sabia se o homem tinha sido preso ou fugira. Chegamos à janela — e ainda vimos, diminuído pela distância, o monte de balões que se afastava, levado por homens dentro de um carro.
A fiscalização da Prefeitura, o próprio poder do Estado carregara as bolas de cor. Para onde? É um pouco difícil sabê-lo. Estarão lacradas e rubricadas pelas autoridades competentes dentro de alguma repartição.
Consideremos que só nos dias de sol, praticamente só nos domingos de sol, aquele homem vende balões de borracha ao longo da praia. Murchos e engavetados no interior de uma loja — que de resto estaria fechada no domingo — os balões não seduzem a vista de nenhuma criança. Nos dias de semana os pais não costumam dar balões coloridos aos filhos; estarão preocupados, passam o dia trabalhando, fazendo essa série de coisas inúteis ou dispensáveis que são feitas em 90 por cento dos escritórios e fábricas — e não têm nem tempo nem esse suave estado de espírito sem o qual é impossível sentir bem toda a alegria de dar um balão de borracha a uma criança; toda a necessidade e felicidade que isso compreende, toda a pureza transcendente desse gesto simples que custa menos que um maço de cigarros.
Mas aquele homem que vende os balões ganha, ao longo da tarde, algumas dezenas de cruzeiros, talvez 30, talvez 50, se conseguir vender toda a sua mercadoria esvoaçante. E está nos roubando; está deixando de pagar o famoso imposto para vendedor dominical pedestre de balões coloridos em praias e jardins, este imposto que fará reverter em benefício da coletividade dez ou 15 cruzeiros que aquele nefando contraventor iria despender, quem sabe, em orgias e bacanais diabólicas.
Dura lex sed lex, como diziam os latinos, muito antes de haver balões de borracha azuis, vermelhos e mesmo, ao que parece, amarelos. Dura — para quem não tem dinheiro bastante para amolecê-la...