O que há de imperdoável em certos escritores é terem nascido antes de nós, valendo-se dessa circunstância fortuita para escrever o que desejaríamos ter escrito em primeira mão. Não perdoo ao francês Joseph Joubert (1754-1824) o furto que praticou na coleção de máximas e apontamentos que, evidentemente, estavam em suspenso nos genes responsáveis por minha organização intelectual. Furto sub-reptício, que permaneceria ignorado por toda a eternidade se, após o falecimento do referido Joubert, um sobrinho dele não fosse vasculhar em seus guardados: lá encontrou milhares de notas que, de direito, me pertenciam, mas que não tive chance de redigir, por impossibilidade cronológica. Meditações atiladas, graciosas ou profundas, que, sem a menor dúvida, me acudiriam ao longo da existência, nos intervalos da atividade jornalística, foram assim subtraídas ao meu potencial reflexivo, e metidas em cadernos que Joubert conservava discretamente. O sobrinho passou-as a Chateaubriand, que as divulgou em parte; em 1938, André Beaunier fez uma edição completa desse material, em dois vastos volumes, sem aludir sequer de longe ao caráter indébito da apropriação. Vingo-me retirando, vez por outra, alguns dos pensamentos contidos no acervo joubertiano, impropriamente chamado, e restabelecendo-lhes a verdadeira e frustrada autoria. Hoje, ofereço aos leitores mais um lote deles; e informo que é minha intenção reunir certo número dos melhores e convencer José Olímpio e Daniel Pereira a publicá-los sob o título: Pensamentos de Joubert que seriam de CDA.

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“Tudo aquilo que tem asas está fora do alcance das leis”.

“Ensinar é aprender duas vezes”. 

“Para viver, basta-nos um pouco de vida. Para amar, precisamos de muita”.

“Poucos homens são dignos da experiência. A maioria deixa-se corromper por ela”.

“A imaginação já fez mais descobertas do que a vista”.

“Impossível amar duas vezes a mesma pessoa”.

“Evitar a sutileza, ao se tratar de coisas sutis, e usá-la ao se tratar de coisas grosseiras”.

“Em todas as coisas, os tolos permanecem aquém, e os loucos vão além da verdade”.

“Quantas precauções precisamos tomar, para não dizer logo de saída a última palavra”!

“Depois que os deuses foram expulsos, o mundo ficou maior”.

“Uma vez inventado o balão, qualquer um pode subir nele”.

“A amizade é uma planta que deve resistir à seca”.

“O estilo fatigante de um escritor que pensa demasiado número de coisas ao mesmo tempo”.

“Há autores-fantasmas, e obras-fantasmas”.

“O papel é paciente; o leitor, não”.

“Deus se aproveita de tudo. Até de nossas ilusões”.

“Conservemos um pouco de ignorância, para conservarmos um pouco de modéstia e de deferência com o próximo”.

“Metade de mim zomba da outra metade”.

“Faça com que falte sempre em sua casa alguma coisa cuja privação não lhe doa muito, e que lhe seja agradável desejar”.

“Briguei com o Tesouro: eu considero o dinheiro como adubo, e ele, como safra”.

“Todos os alimentos são bons para quem tem fome, porém nem todos o são para quem tem apetite”.

“Não escolher para esposa a mulher que se escolheria para amigo, se ela fosse homem”.

“A distinção que há em não pertencer à Legião de Honra…”

“O verso belo é aquele que se exala como um perfume ou um som”.

“Assim como os crimes multiplicam as leis, os erros multiplicam as explicações”. 

“Há corações de ouro e corações folheados a ouro…”

carlos-drummond-de-andrade
As crônicas aqui reproduzidas podem veicular representações negativas e estereótipos da época em que foram escritas. Acreditamos, no entanto, na importância de publicá-las: por retratarem o comportamento e os costumes de outro tempo, contribuem para o relevante debate em torno de inclusão social e diversidade.
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