O nome da rua eu não digo, e o das moças, muito menos. Se me perguntarem se isso não aconteceu na rua Correia Dutra com certas jovens que mais tarde vieram a brilhar no rádio, eu darei uma desculpa qualquer e, com meu cinismo habitual, responderei que não.

As moças eram duas, e irmãs. A mãe exercia as laboriosas funções de dona de pensão. Uma senhora que é dona de pensão no Catete pode aceitar depois indiferentemente um cargo de ministro da guerra da Turquia, restauradora de finanças ou poeta português. A pensão da mãe das moças era uma grande pensão, pululante de funcionários, casais, estudantes, senhoras bastante desquitadas. E não devo dizer mais nada: quanto menos se falar da mãe dos outros, melhor. Juntarei apenas que essa mãe era muito ocupada e que as moças possuíam, ambas, olhos azuis. No pardieiro pardarrão, tristonho, as duas meninas louras viviam cantarolando. Creio ser inevitável dizer que eram como dois excitantes e leves canários belgas a saltitar em feio e escuro viveiro – e a mãe era muito ocupada.

A tendência das moças detentoras de olhos azuis é para ver a vida azul-celeste; e a dos canários é voar. Mesmo sobre os casarões do Catete o céu às vezes é azul, e o sol acontece ser louro.

Uns dizem que na verdade esse céu azul não pertence ao Catete, e sim ao Flamengo: a população do Catete apenas o poderia olhar de empréstimo. Outros afirmam que o sol louro é da circunscrição de Santa Tereza e da paróquia de Copacabana; nós, medíocres e amargos homens do Catete, também o usufruiríamos indebitamente. Não creio em nada disso. A mesma injúria assacaram contra Niterói (“Niterói, Niterói, como és formosa”, suspirou um poeta do século passado, que foi o dos suspiros) declarando que Niterói não tem Lua própria, e a que ali é visível é de propriedade do Rio. Não, em nada disso creio. Em minhas andanças e paranças já andei e parei em Niterói, onde residi na rua Lopes Trovão, e recitava habitualmente com muito desgosto de uma senhorita vizinha: “Caramuru, Caramuru, filho do fogo, mãe da rua Lopes Trovão!”

Já não lembro quem me ensinou esses versinhos, aliás, mimosos. Ainda hoje costumo repeti-los quando de minhas pequenas viagens de cabotagem, jogando miolo de pão misto às pobres gaivotas.

rubem-braga
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