Está querendo fazer sol, está querendo chover. Durante uns dois minutos as duas coisas aconteceram ao mesmo tempo. Agora, nem uma, nem outra. As nuvens atrapalham de um lado, o vento de outro. Vai ver que a culpa é do Congresso. O rapazinho voltou da escola com um começo de bigode e a voz grossa, o que envelheceu o triste pai; este porém se consola vendo que o moço está seguindo a mais pura tradição de seus ancestrais: foi reprovado em matemática. Braga após Braga, geração após geração, há de sempre honestamente tropeçar na sua álgebra e enredar as linhas de sua geometria; mas não serão esses, ó mancebo de olho ingênuo e limpo, os piores enredos e tropicões de tua existência. Eia, sus, sempre avante!

Passa um cego com um cavaquinho. Desatendendo a todas as minhas objurgatórias, os operários continuam a construir um edifício do outro lado da rua. São loucos mansos: trabalham penosamente para fazer casa para os outros, e tirar o sol matinal da minha. A culpa será do Congresso? O senhor Fiuza diz que não há água; o remédio é, portanto, tomar uísque com soda. Quanto ao banho, eu e meu colega Ali Khan não temos problema: costumamos banhar nossas amadas em champanha pela madrugada. As más línguas murmuram contra nós; chegam a dizer que estamos usando champanha gaúcha.

O presidente pela segunda vez comemorou com um ato solene a solução definitiva do problema do petróleo; da outra vez foi mais bonito, porque foi pelo rádio, numa passagem de ano, e naquele tempo não havia Congresso para atrapalhar. Mas quando é mesmo o dia do aniversário do Discurso do Rio Amazonas? Eis uma das mais lindas festas nacionais, caída em esquecimento.

De um modo ou de outro, com a minha longa experiência, tenho a impressão de que no fim do corrente mês de dezembro o ano passa. Há quem diga que não, que o Congresso vai sabotar, e só teremos 1952 lá para julho ou agosto. Mas neste ponto, ao menos, eu confio em Vargas.

rubem-braga
As crônicas aqui reproduzidas podem veicular representações negativas e estereótipos da época em que foram escritas. Acreditamos, no entanto, na importância de publicá-las: por retratarem o comportamento e os costumes de outro tempo, contribuem para o relevante debate em torno de inclusão social e diversidade.
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