Mais uma senhora matou o seu marido — o que, afinal de contas, é menos grave que matar o marido das outras. O ciúme, a besta de olhos verdes, continua operando na praça. Entrementes o encouraçado “S. Paulo” continua desaparecido no Atlântico: virou “Coisa”: talvez volte à tona na Lagoa Rodrigo de Freitas, coberto de ostras e limo, com os oito marujos transformados em lobisomens marinhos. Continua soprando o sul, que é um vento muito velho, e trouxe boas águas. E aquela moça tem um ar tão abstrato que um pintor abstracionista pediu para fazer seu retrato; não foi permitido. No terreno dos fatos concretos, o mais obumbrante é a obra plantada defronte de minha janela, e que acaba de atingir o quinto andar. Olho-a, porque não tenho outra coisa para olhar. E me sinto burro, com uma burrice pesada, de cimento e tijolo.
O governo lança um plano financeiro; estou pensando em fazer o mesmo, e espero para ele a aprovação das classes conservadoras A moça loura desceu da exígua mansarda do sexto andar de Montparnasse e aterrissou na minha rede, entrando pela janela. Conta-me seus amores, bebe meu conhaque, e a seguir ficamos tristes. De repente me sinto extraordinariamente bem educado, o que motiva certo espanto na praça, e há mesmo um começo de pânico, logo reprimido: mas longe, na outra esquina, há uma negra bêbada com um ataque de riso. Vou mandar matá-la, mas como a rua está muito escura devido à crise de energia eu resolvo sofrer da mesma crise e me torno bonacheirão e medíocre. Graças a isso a Dama das Camélias morrerá no palco do Municipal, entre aplausos retumbantes, numa noite de gala. O príncipe Ali Khan examina cavalos e mulheres, mas quanto a mim o único animal de que disponho neste momento nesta casa é um pequeno jabuti que está preso de grave neurastenia, e fica horas e horas imóvel, embora visivelmente nervoso, e temendo ele próprio praticar algum estrupício.
Em vista de tudo isso, o genro do presidente e vários de seus afilhados estão querendo reformar a Constituição para que esse mel não acabe nunca; tomem cuidado, rapazes, parem com essa brincadeira que pode fazer dodói. Com essa advertência cívica e serena dou por encerrados os trabalhos, e mergulho em profunda melancolia: afinal de contas, se é verdade mesmo que o Brasil tem 8.500.000 quilômetros quadrados porque vão fazer um edifício logo defronte de minha janela? O Flamengo perdeu bonito. Ora, bolas. Estou ficando nervoso e descrente, cansado de apanhar no futebol e na vida; preferia que ele ganhasse feio.