Às vezes eu fico pensando que uma parte de nossa gente rica está ficando louca. Ou então vive em ambientes fechados, à prova de som, com iluminação artificial e sem janelas. Porque, positivamente, ou essa gente enlouqueceu ou não pode ver essa paisagem social sombria e tensa, não pode ouvir esses murmúrios que vão subindo, vão subindo.

Estou me lembrando, neste momento, da explicação que me dava um amigo de São Paulo sobre um milionário com quem conversáramos duas horas, e que me espantou pelo seu absoluto desconhecimento da vida do povo: “eu me dou muito com ele, e posso dizer: ele só vive em ambiente de ar condicionado. A casa dele e o escritório são aquecidos no inverno e refrigerados no verão. O automóvel também. O que ele precisava era de pegar um pé de vento, quente ou frio, de preferência com poeira na cara”.

Uma rajada de vento das ruas me parece, mesmo, uma boa receita, e misericordiosa, para esses ricos insensatos que estão, cada dia que passa, mais alucinados em seu exibicionismo. Não estou escrevendo isto para atacar pessoas, não desejo citar nomes: estou me referindo a um fenômeno que me parece grave e me faz lembrar, por exemplo, o conto “Red Death” de Edgard Allan Poe ― aquele que conta a história dos que se reuniram em um castelo em festas enquanto lá fora a gente pobre morria de peste.

Ainda vemos de vez em quando a polícia suspender, fechar ou molestar de algum modo jornais da extrema esquerda. Eis uma grave tolice. Se as autoridades querem zelar pela ordem social com tanto afã que se dispõem a pisar a Constituição e desrespeitar a liberdade de imprensa, seriam pelo menos mais inteligentes se prestassem mais atenção ao que escreve o meu amigo Jacinto de Thormes e menos ao que escreve o meu amigo Egídio Squeff. O Sr. Luís Carlos Prestes, com quarenta adjetivos violentos em uma coluna de manifesto, não chega a ser um por cento tão subversivo quanto o Sr. Marcos André, com seu estilo ameno e delicado.

Mas afinal de contas os escritores dão apenas o reflexo da realidade, ou de um de seus aspectos ― e não é vedando a sua imagem num espelho que você remove um objeto.

Quem tiver um pouco de informação sobre o que está acontecendo no Brasil e fizer algumas contas em uma folha de papel, chega logo a esta conclusão; os pobres estão ficando cada vez mais pobres, e os ricos cada vez mais ricos. É espantoso que os segundos façam tanta questão de esfregar essa verdade na cara dos primeiros.

rubem-braga
x
- +