O “Primeiro Plano” está seguramente informado de que um novo e enérgico movimento literário, político e cultural vai ser lançado no Brasil: o Burrismo.

Não entraremos no mérito da questão. Adiantaremos apenas que o movimento conta com exaltadas figuras de todas as gerações. O Burrismo pretende superar todas as escolas e tendências anteriores, como Romantismo, Parnasianismo, Simbolismo, Surrealismo, Modernismo, Existencialismo, Letrismo, Dolorismo, etc.

Aqui apresentaremos, em um esforço de reportagem, o texto do Manifesto Burrista, a ser lançado breve e ruidosamente em todas as capitais do Brasil:

1. A inteligência está cansada; só a burrice é infatigável.

2. O homem inteligente é um limitado; só a burrice não conhece limites.

3. A burrice é a inteligência do futuro.

4. O burro não carece de inspiração e nem de técnica: está acima dessas querelas.

5. O burro é um espírito automático.

6. A burrice, como o sonho, é uma secreção da alma.

7. Quando a burrice dominar o mundo, o Brasil mostrará a sua pujança intelectual. 

8. O burro é sadio, O burro é forte. O burro é burro.

9. O burro há de ocupar a glória e os altos cargos.

10. O burrismo é essencialmente dinâmico. 

11. Foi a burrice que descobriu o novo mundo.

12. A lenda da descoberta da roda é um símbolo perfeito da capacidade progressista e civilizadora do burrismo.

13. O “burro de Buridan” sempre manteve uma atitude de superioridade diante dos filósofos que discutiam sobre ele.

14. Sou burro; logo, existo.

15. O burrismo é um conhecimento da opacidade universal.

16. Só faltou uma coisa a Platão, Pascal, Racine, Tolstoi, etc.: burrice.

17. A primeira cidadela a ser tomada pelos burros é a crítica; daí, inverteremos os valores.

18. Quem nada compreende é capaz de discutir todas as ideias.

19. A inteligência é um complexo de inferioridade.

20. A inteligência perturba a digestão.

*

Sr. Fernando Sabino, mineiro, nos pede que encaminhemos ao sr. Rubem Braga, capixaba, a seguinte carta:

“Dr. Sabino. Saudações. Há momentos na vida em que um homem se vê obrigado a precisar de outrem: este é o meu caso. Embora constrangido, sou forçado a recorrer aos valiosos préstimos do distinto espírito-santense.

Tendo conhecimento de vv. belas qualidades e sentimentos de humanidade, que tão bem caracterizam os filhos daquela grandiosa terra, tomo a liberdade de pedir ao distinto cavalheiro para, se possível, arranjar-me uma vestimenta usada; que do íntimo do meu coração, agradeço.

Se tomei esta liberdade é porque estou completamente desprevenido de indumentária. 

Antecipadamente agradeço, seu criado, Fulano de Tal.”

paulo-mendes-campos
As crônicas aqui reproduzidas podem veicular representações negativas e estereótipos da época em que foram escritas. Acreditamos, no entanto, na importância de publicá-las: por retratarem o comportamento e os costumes de outro tempo, contribuem para o relevante debate em torno de inclusão social e diversidade.
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