Eram três homens: um preto alto, um português ruivo, um baixinho de cabelos grisalhos. Cumprimentaram-me lacônicos. É esta? É.

Rodearam a geladeira em silêncio, examinando-a como um caçador examina um rinoceronte. Estudavam a melhor maneira de subjugar o animal, de carregá-lo, indefeso, os quatro lances de escada.

De repente, um deles agarrou a parte inferior, um firmou do lado oposto, o terceiro ajudou a levantar do chão o objeto enorme, hostil. Foi um momento de emoção: a geladeira empinou como um hipopótamo, balançou pra lá, pra cá, como um navio, pareceu que ia cair, derrotar os três homens. Estes estavam graves, músculos tensos, sentindo o perigo da luta, mas confiantes da vitória.

Não diziam palavra. Abraçavam-se à geladeira, cumprindo um dever de vida e de morte, dispostos a tudo.

Firme, equilibrada, a geladeira começou, aos poucos, a perder terreno. O baixinho, aparentemente o mais frágil, retirou o pé esquerdo do chão, como quem se liberta de um imã; com esforço angustiante, conseguiu dar um passo de 15 centímetros. Ainda que pouco se pudesse ler nas três faces, absorvidas pela contensão muscular, percebi que aquele primeiro movimento, diminuto, significava muito e renovava a esperança dos três. Com efeito, logo depois, começaram a deslocar-se, lentos, oprimidos, com um ritmo de sonho.

A quatro metros além, era a escada, aberta como um abismo. Dois deles não podiam vê-la. O português a fitava com uma apreensão misturada de raiva.

Detiveram-se à beira da escada. Trocaram algum sinal imperceptível, porque, sem que dissessem nada, depuseram vagarosamente no chão a geladeira. Esta, vencendo essa vez, cresceu, pareceu invencível. Branca e limpa, respirava uma delicadeza de virgem e uma estupidez de fera.

Os três gladiadores contemplaram as próprias mãos, cuspiram nelas para refrescá-las, esfregaram os ossos para aliviá-los.

Mudaram de tática. Dois se postaram no primeiro degrau, o outro a empurrou até a borda. Outra vez a geladeira foi erguida, outra vez procurou livrar-se das mãos que a manietavam, dar um salto, esmagar os dois homens da frente, fazê-los rodar escada a baixo.

Os três, no entanto, venceram o primeiro lance. Descansaram um pouco e venceram o segundo lance. A geladeira começava a ter o ar ridículo dos que perdem. Eu olhava para ela com perversidade. Os carregadores, não: profissionais, eram frios; de dentro da luta, não tinham esta certeza cega do resultado final.

Com a mesma paciência, o mesmo esforço, a mesma solenidade, suados e melancólicos, conseguiram depor a geladeira na calçada. A rua ficou por um instante com um ar meio imoral, com ela, ali, nua, mas se acostumou logo.

A tarefa de alçá-la até o caminhão foi mais simples do que eu esperava. Dominada, os homens agiram com prudência e recato: amarraram-na fortemente, temendo uma fuga, uma tentativa de suicídio, mas tiveram a gentileza do pudor de cobri-la com um pano, um pobre pano sujo.

Tomei assento ao lado do motorista e segui com eles. Por via das dúvidas, o carregador mais velho lá atrás, vigiando-a. Foi uma viagem silenciosa e demorada até o Leblon.

Resistiu muito a entrar em meu apartamento, que é, entretanto, de acesso fácil. Foi preciso jeito e carinho. Foi preciso retirar uma porta do lugar. Mas entrou e aquietou-se.

Vê-se agora que ainda não se habituou à sua nova residência. Mas começou logo a trabalhar com um ruído triste de máquina.

paulo-mendes-campos
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