A revista Time traz em seu último número uma reportagem sobre a nova geração norte-americana. Entre outras coisas cita-se o caso de um brilhante estudante de medicina. Um de seus professores levou-o a pescar e perguntou-lhe algumas coisas. Por que foi estudar medicina? Porque — respondeu o jovem — a medicina parece lucrativa; ele seguiria a especialidade que fizesse mais dinheiro. Você pensa que medicina deve à comunidade algum serviço especial? Provavelmente não; sou como todo mundo. Quero ganhar muito dinheiro depressa, em dez anos, a fim de fazer o que desejo. E o que você deseja? Pescar, viajar, descansar — foi a resposta.

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O dr. Pedro Nava recebia semanalmente em seu consultório uma velhinha pobre, dessas que se sentem irremediavelmente perdidas se o médico não lhes descobre algum mal e não lhes prescreve algum remédio.

Uma tarde estava o dr. Pedro Nava a redigir-lhe a receita, quando a velhinha suspirou descrente e falou:

— Ah, doutor, hoje não adianta nada!

— Não adianta o que?

— A receita que o senhor está fazendo…

— Ora essa, por quê?

— Porque já notei uma coisa: quando um velho barrigudinho fica aí atrás do senhor, a receita é sempre muito boa; quando o barrigudinho não aparece, o remédio não vale de nada.

Os que bem conhecem o dr. Nava hão de ver logo que ele não gostou nem um pouco dessa história de ter em seu consultório um barrigudinho invisível e atuante.

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Um velho médico de Minas, residente aqui no Rio, viu entrar um dia na Santa Casa uma cara que lhe pareceu conhecida. Enquanto o examinava, fez-lhe algumas perguntas. Puxou-lhe a língua e disse:

— O seu nome não é Antônio Pedro ? 

O pobre coitado respondeu espantado: 

— Sou eu, sim sinhô.

Baixou-lhe as pálpebras e perguntou: 

— Você não morava em Leopoldina?

E o outro, cada vez mais admirado daquela mágica: 

— Morava sim sinhô.

Auscultou-lhe:

— Você não trabalhava na fazenda do Andrade?

— Trabalhava, sim sinhô.

O médico deu-lhe aquelas pancadinhas na barriga:

— Escute uma coisa: em que ficou aquele crime da capoeira? Conseguiram, afinal, descobrir o culpado?

Ao ouvir isso, o homem levantou-se de um salto, nervoso, vestiu a camisa, saiu apressado, dizendo:

— Não tenho nada com isso não, doutô, não tenho nada com esse crime não, sinhô.

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Há filantes de tudo, inclusive de consultas: encontram o médico na rua, desembrulham os achaques e retêm os conselhos. Um médico amigo nosso já não suportava uma dessas filantes, uma dama de muitas posses. Um dia, encontra-se com ela na avenida e vem a lenga-lenga. O médico não teve dúvidas:

— O caso da senhora me parece grave. Abra a boca. Feche os olhos. — E escafedeu-se na multidão.

paulo-mendes-campos
As crônicas aqui reproduzidas podem veicular representações negativas e estereótipos da época em que foram escritas. Acreditamos, no entanto, na importância de publicá-las: por retratarem o comportamento e os costumes de outro tempo, contribuem para o relevante debate em torno de inclusão social e diversidade.
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