O fotógrafo José Medeiros, acaba de trazer de sua última viagem ao alto Xingu dois índios de raça pura: Kanato, de 20 anos, e Munhô-api (Cabeça de Cobra), de 12 anos. Instalou os dois em seu apartamento, à rua Voluntários da Pátria, vestiu-lhes de short e macacão, deu-lhes de dormir dois sofás-cama. Leva-os todos os dias a passear de automóvel e fazer visitas. Já estiveram com o brigadeiro Aboim, com o Sr. Lourival Fontes e com o Sr. Café Filho. Este último, ao ser apresentado, recebeu um abraço de cinco minutos, o que é prova de simpatia.
São extremamente fortes e saudáveis. O mais moço ganha quedas de braço de vigorosos atletas. Praticam jogos e lutas todos os dias. O handshake do mais velho é doloroso. Provocam a maior curiosidade em Botafogo e em todos os lugares por onde passam. Comissões de curiosos pedem permissão a nosso amigo Medeiros para ver e conhecer um autêntico (sic) brasileiro. Não se impressionam nem um pouco com as maquinarias e engenhos modernos: aviões, automóveis, elevadores. Sentem, no entanto, um indizível deslumbramento diante das escadas das casas, experimentando prazer e emoção com o ato de galgar uma elevação colocando um pé depois do outro. Como qualquer criança, são loucos por chocolate, balas e bombons.
Conversam uma mistura do dialeto kamaiurá e um português sem inflexões. Sentem saudade da tribo e contam coisas dela. Como vissem uma jovem a tocar piano — uma fuga de Bach — caíram em atenção profunda, cortada de exclamações de entusiasmo, pedindo a moça que repetisse a música várias vezes. Coisa parecida aconteceu quando viram o mar pela primeira vez, na praia do Arpoador: olhavam, olhavam e exclamavam extasiados: “bonito! bonito!”.
Estranharam bastante as pessoas de cor, dizendo “Pitsunnhãnhã” que significa “Muito preto!”.
Gostam de brincar com crianças. Senso estético alerta, estão sempre a distinguir o que é bonito do que é feio. Estão ardendo de curiosidade para ver o Jardim Zoológico: souberam, através do cunhado, que já esteve no Rio, que aí existem “onças dentro de quartos”.
Kanato é casado. Contou que mora com o sogro na mesma maloca mas que as leis da tribo lhe proíbem de falar com o mesmo: “Kanato para um lado, sogro para o outro”.
Devem regressar dentro de um mês, de avião, como vieram. Quando vêem um avião apontam e dizem: Beechcraft.