“Você aqui, Luci! Há quanto tempo não te vejo”. Abraçaram-se os dois, moça e rapaz. Tinham sido colegas de universidade em Belo Horizonte, e há anos que não se viam. O rapaz tomou o ônibus com ela, foi contando sua vida:
— “Estou morando em Lambari. Você está convidada para passar as férias lá. Ah, porque me casei, me casei com uma namorada de infância. O nome dela é Margarida. Já tenho dois filhos, um menino, que se parece com ela, e uma menina, Teresa, que se parece comigo. Estamos no Hotel Regente. Você não imagina o que aconteceu: minha mulher, que está grávida, levou um tombo em Lambari, feriu o joelho, pegou uma infecção (penicilina não adiantou), os médicos de Belo Horizonte não quiseram operá-la e eu a trouxe aqui para o Rio. Não, agora, graças a Deus ela está muito bem. Você sabe, fui muito feliz com a advocacia, ganhei muito dinheiro... O que me aconteceu ontem é que foi desagradável... Nem queira saber! Logo que minha mulher deixou o hospital (paguei 11 contos e 500) eu disse a ela: a primeira coisa que vamos fazer é ir à igreja rezar em ação de graças; depois vamos levar os meninos para fazer um lanche na cidade. Depois de rezar, tomamos o ônibus. Margarida tem mania de economia e não deixou que eu tomasse um táxi. Ela disse: “você já fez despesas demais, vamos tomar um coletivo”. No ônibus não tinha lugar. Você compreende, ela ainda se ressente um pouco do joelho e, ainda por cima, está grávida: por isso, pedi a um garoto que lhe cedesse o lugar e fiquei em pé com os meninos. Fomos, então, à Americana fazer um lanche (você sabe como criança gosta disso)... Pois bem, na hora de pagar, vejo que tinham cortado o meu bolso com gilete e levado a minha carteira!... O que fiz? Dei o meu anel ao garçom como fiança e fui para o hotel. Oh, não é só por causa do dinheiro — quase cinco contos — mas ainda não paguei o hotel; o que me amola mais são as bobagenzinhas que eu guardava na carteira. Sou muito sentimental. Tinha retratos da turma toda, vários de você. Você não imagina como eu sinto falta de meus amigos! Agora recebi um telegrama de Lambari, pedindo minha volta, urgente, e não posso pagar o hotel. Ah, se você pudesse me ajudar seria ótimo. Estou com muita pena de Margarida. Ela está tão aflita!”
A moça fez o que tinha de fazer em Botafogo, o rapaz sempre com ela, tomaram o ônibus de volta. A moça, que é de coração mole, tinha os olhos marejados com a desgraça do antigo colega. Foram até sua casa fazer um levantamento do dinheiro. Conseguiu apurar uns 600 cruzeiros em dinheiro. Sua colega de quarto, uma aeromoça, compareceu com mais 300 cruzeiros. Havia ainda um cheque de 1.200 cruzeiros que foi entregue ao rapaz. Este ainda perguntou se não havia alguma joia para empenhar. Não tinham, são duas moças pobres. Disse o rapaz com os olhos cheios de lágrimas: “Você é um anjo, você não sabe o quanto lhe devo. Depois de amanhã, você recebe um cheque pelo Banco do Brasil. Deus te pague”.
A moça ainda teve uma lembrança: “Vamos telefonar ao Otto, que foi também nosso colega. Ele poderia arranjar mais algum dinheiro”. O rapaz protestou: “Não, não telefone ao Otto, ele não se dá muito bem comigo”.
A moça nem almoçou naquele dia, por falta de dinheiro. E esperou o cheque, em vão. Telefonou ao Otto e contou tudo. O colega ficou muito compadecido, mas teve um ataque de riso: “Estou rindo porque a história em que eu caí é completamente diferente dessa. A imaginação dele é formidável. Conheço uns oito casos e todos eles diferentes. A moça ficou então sabendo a verdade: seu ex-colega não é casado, não mora em Lambari: é apenas um vigarista contumaz...