Como quem não quer nada, comecei a juntar notícia de fila no Rio. No Rio, em São Paulo, em Minas, por aí afora. Antes de ler no jornal, dei pra prestar atenção nas filas que vou encontrando pelo caminho. São tantos os casos que nem dá pra escolher uns poucos e mostrar como sofre o brasileiro desse mal da espera. Já nem falo da fila que chega a ser mortal. Estou pensando na fila que está por toda parte, monótona, enfadonha, nos bancos, nos correios. Na repartição pública.

Se a fila está diante de um hospital, e como tem!, já traz uma nota mais dolorosa. A demora aí é cruel. E quem está na fila tem uma ponta de oblação. A mãe pobre de filho ao colo, o velho trêmulo, o jovem de perna engessada, um atrás do outro a manada espera, resignada. Aquela mocinha ali, se abrir a boca, não vai falar. Vai balir. Mansos cordeirinhos sacrificais.

Na minha cabeça, ou no meu coração?, as palavras dão voltas gratuitas. Quem espera sempre alcança. Esperar, esperança, a raiz é a mesma. Uma das três virtudes teologais. Será que não dá pra eliminar essas filas? Por que se diz fila indiana? À primeira vista me ocorre a associação com a Índia. Paradeiro de multidão submissa. A espera que dura uma eternidade, no ritmo da ruminação vacum. Os olhos, olhos de quem olha pra dentro, sem horizonte.

Mas indiana no caso nada tem a ver com a Índia. A fila indiana é nossa. Autóctone. Vem da maneira de caminharem os índios, em fileira, no bosque ou na floresta. Originalmente até que tem um toque aprazível. Inocentemente ecológico. Antes eu pensava que devia ser por causa do Exército. Vem do francês, a palavra. Fila de dois em dois, serviço militar. A disciplina do universo concentracionário. A fila indiana é de um em um, cabisbaixa. Marca passo, passo a passo. De pé, imóvel.

Até no Rio, uma cidade buliçosa, as filas são uma tênia de melancolia. Pode ser pro Carnaval, ou pra ver um show. É taciturna, a fila. Se fila de boi dá aquele aperto no coração, que dizer de tanta fila de gente?, e gente humilde. A fila coleia como serpente, ao sol, à chuva, cedinho e até à noite. O guichê está longe como o céu. Tanta exigência, tanto papel! E o sim acaba com gosto de não.

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