Não é só a embalagem de um remédio que está trocada. Anda tudo aí pelo avesso. De todo lado, explode a evidência — e a evidência cega. Há muitos anos o Nelson Rodrigues denunciava a dificuldade que temos de ver o óbvio ululante. Não é só difícil. É impossível, enquanto não se descobrir onde é que viraram a chave desta geringonça chamada Brasil. Não adianta emendão, nem sonetão. O caso não é de aumentativo.

Como não desejo aumentar a confusão saindo da minha seara, digo que o caso é de oxímoro. Sim, “ocsímoro”. O “x” soa como em “oxítono”. Mas se quiser, pode falar “oximôro”, com a pronúncia paroxítona. Por mim prefiro o acento no “i”. É mais bonito e talvez seja mais próximo do grego. Depois, convenhamos: a hora é esdrúxula. Você pode estar cometendo oxímoros um atrás do outro e morrendo de felicidade.

É isto mesmo: a felicidade mata. Como diz o francês, “ce sont des mots qui hurlent de se trouver ensemble”. Hoje ninguém mais diz qualquer coisa em francês. Então digamos em portu- guês: palavras que gritam por estar juntas. Palavras que se repelem, ou se excluem. E formam uma espécie de paradoxo, que é um jogo muito inglês. Mas só no Brasil pomos em prática o oxímoro. Ainda há pouco, vimos a primavera chegar com um tufão. E desde que chegou, chove sem parar.

Esse caso das balas com cocaína é exemplar. Mais eloquente do que mel azedo. Um deputado propôs que os chicletes venham acompanhados de uma bula. Podem pedir bula pra tudo, até pra sorvete. Mas não adianta. No setor das drogas, as outras, medicinais, você compra um anti-histamínico e o que vem na caixa é um antibiótico. Um sedativo que excita e põe o paciente nervoso, eis o oxímoro levado às últimas consequências.

A Cecília Meireles fala em “inocente culpado”. Pode? Pode. Os poetas gostam do oxímoro, que é uma forma de exprimir o contraste. Ou a contradição. Para o Camões, amor é “contentamento descontente”. Mas até o Camões é pinto perto da realidade brasileira. Ainda agora o FMI revela que a nossa inflação nos últimos 30 anos chegou a 702.389.575.300%. Não se admire. Receba o número de 12 algarismos com calma. Aprenda com o Marcílio o que é fleugma. Veja a cara dele na televisão. Não está nem aí. Aliás, está de fato em Banguecoque. Então viva o oxímoro: Brasilll!

otto-lara-resende
As crônicas aqui reproduzidas podem veicular representações negativas e estereótipos da época em que foram escritas. Acreditamos, no entanto, na importância de publicá-las: por retratarem o comportamento e os costumes de outro tempo, contribuem para o relevante debate em torno de inclusão social e diversidade.
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