Numa entrevista a Leia, Jurandir Freire Costa menciona a modernização absolutamente selvagem que se deu entre nós. Aqui em 30 anos ruíram padrões e valores que na Europa foram sendo modificados ao longo de 150 anos. Esta é mais uma razão para estimular estudos que procurem mostrar as reações psíquicas individuais em face das causas históricas e sociais. Já se fez isto no Brasil? Acho que não.

Ainda agora passei uns dias mergulhado na atmosfera dos anos 20, a propósito do centenário de nascimento de Jackson de Figueiredo. Digo depressinha e a propósito que o nacionalismo do Jackson e do Bernardes está aí de volta, se é que chegou a se ausentar. Morto tragicamente a 4 de novembro de 1928, aos 37 anos, Jackson nasceu com um sinal de contradição. Sempre foi e será sempre um feixe de controvérsias.

Sua filha Cléa Alves Figueiredo Fernandes publicou em 1989 um livro que pede mais atenção ― Jackson de Figueiredo, uma trajetória apaixonada. Sai agora pela Academia Brasileira o primeiro volume das cartas de Jackson a Alceu e de Alceu a Jackson. Poderia ser um belo capítulo da história das nossas grandes amizades, que Homero Senna pensa em escrever e com que sonhou Afonso Arinos. Jackson teve em Mário de Alencar o seu melhor amigo. E Mário foi por sua vez um anjo de bondade para Machado de Assis. Entre tantos, aqui está apenas um exemplo.

Esse mundo riquíssimo das afeições me interessa muito mais do que a luta política miúda em que Jackson se engajou. A obra do panfletário e do jornalista envelheceu, mas a personalidade de Jackson mantém o seu extraordinário poder de fascínio e sedução. Desde o In Memoriam, de 1929, e até antes dele, são muitos os depoimentos sobre Jackson. O ensaio de Barreto Filho sobre esse boêmio convertido à fé católica é um testemunho de 1938 que se lê ainda hoje com o mesmo encanto.

Em 1971, Francisco Iglésias estudou o pensamento de Jackson em seu clássico História e ideologia. Vista de hoje, a atuação de Jackson exibe evidentes equívocos, na esteira do arrebatamento com que, reagindo a 1922, tomou o partido da ordem contra a anarquia e o caos (já era o próprio!). O Jackson que chegou até mim, através de meu pai, seu amigo, foi o ser tocado pela sagrada vocação da amizade. Nisto foi perfeito — a opinião é unânime. E só isto justifica um estudo de quem saiba ligar a história dos homens ao coração de um homem.

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