A moça me disse ontem que a lua estava linda. À noite me telefonou e me animou a chegar à janela. Eu fiz um silêncio apatetado e ela me perguntou se não tenho janela. Sim, janela tenho. O que está me faltando é ânimo pra olhar lá fora. Eu sabia que era a lua nova. Novinha em folha, como eu queria ter a minha alma. Ou o meu coração. Um coração novinho, ai de mim, só pode ser de criança. Zero quilômetro. Sem maldade nenhuma..

Pois sim! De bebezinho pode ser que seja. E mesmo assim tem o pecado original. A mancha que vem de longe, como um recado mais que genético. Genesíaco, impresso no barro de nosso pai Adão. Hoje está na moda um sagrado horror à culpa. Pecado, nem falar. Mas há milhares e milhares de anos que esta sombra nos acompanha. Seja pecado original para os cristãos. Ou seja lá o que for, noutras crenças e noutras culturas. Sem culpa mesmo, parece que só o Collor.

Criança, saiu do berço, até antes da idade da razão, já é capaz de aprontar das suas. Mas claro que nem chega aos nossos pés de adultos. O moço é como a lua nova. Ou cheia. Também pode ser cheia. A lua nova, mais antiga que o pai Adão, é sempre nova. Pobre de quem não tem uma janela para vê-la e apreciá-la. Eu tenho. Mas ando inapetente até pra lua. Não dá pra pensar e falar de outra coisa. Eu bem que gostaria de mudar de assunto. Virar o disco, como se dizia no tempo do disco.

Desse tempo é uma tia minha. Fui visitá-la e achei-a triste. O Brasil? Não. Foi antes do Collor. Era aniversário dela. Estava velhinha, mas firme. Gente longeva, que bebeu água boa. E mamou até andar e falar. Perguntei o que ela queria de presente. Era o seu aniversário. Pedisse o que quisesse, que eu dava. Me bateu uma de paranóico, que nem o Collor. Ela me olhou de esguelha. O que eu quero você não pode me dar, disse.

Como? Posso, sim. Posso tudo! E arranquei do fundo do coração da minha tia o seu sonhado presente. O seguinte: tinham levantado ali junto de sua casa um espigão. Acabou sua luz, sua vista, sua paisagem. Queria uma janela para apreciar a rua. Acompanhar o movimento. Velho precisa de movimento. E também de ver a lua. Um pedido modesto, não é mesmo? Mas aí é que me enrasquei todo. Hoje, tenho janela e tenho lua. Lua nova. Mas o Brasil não me dá vontade de espiar lá fora.

otto-lara-resende
As crônicas aqui reproduzidas podem veicular representações negativas e estereótipos da época em que foram escritas. Acreditamos, no entanto, na importância de publicá-las: por retratarem o comportamento e os costumes de outro tempo, contribuem para o relevante debate em torno de inclusão social e diversidade.
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