Quando Ruy Barbosa citou o Jeca Tatu, em 1919, deu ao nome de seu criador, Monteiro Lobato, repercussão nacional. Ruy estava no ocaso de sua vida pública e na véspera de sua morte, que se daria em 1923.

Era naquele momento a grande cabeça nacional. O gênio da oratória a quem o Brasil tinha negado a presidência da República. Monteiro Lobato iniciava sua atividade de editor e daquele momento em diante seria uma presença ininterrupta na vida brasileira.

Curioso esse encontro de dois homens, de duas visões do Brasil — Ruy Barbosa e Monteiro Lobato — nas vésperas da Semana de 1922, em plena fase do pré-modernismo. E quem os aproximou foi o caipira.

Eram visíveis os sinais de insatisfação com o Brasil, cansado das mutretas da República Velha. Lobato iria depois para os Estados Unidos, onde se abasteceu para a sua pregação em favor do progresso, da reforma política e social do Brasil.

O modelo americano levou Lobato a ser um precursor do desenvolvimentismo que tomaria corpo mais tarde, com Juscelino Kubitschek.

Ferro e petróleo — era o binômio do futuro pai de Narizinho e Dona Benta. A seu modo, ele queria tanto quanto Ruy acordar o Brasil. Mobilizá-lo. Trazê-lo para o século 20.

O Brasil arcaico tinha sido representado, ou melhor, caricaturado na figura do Jeca Tatu. As ideias de Jeca Tatu correram mundo, se popularizaram até viraram marketing de um produto farmacêutico, o Biotônico Fontoura.

O Jeca Tatu era caipira. O caipira. O pobre-diabo que vegetava na miséria da vida rural, sem bens materiais e sem horizonte.

Já se fazia então a campanha contra o êxodo rural e pela reforma agrária, que teve apóstolos fervorosos como Pedro da Matta Machado, que ainda conheci.

Hoje, esse Brasil da roça parece distante e é pouco visível, a não ser na sua versão atual (e não menos dramática) dos boias-frias e da inclemente injustiça social, alimentada pela agricultura da exportação e de escala.

Apesar da industrialização e da urbanização, estamos ainda muito perto desse Brasil atrasado e colonial, ou colonizado, onde uns poucos brasileiros privilegiados oprimem a multidão de deserdados. O Jeca Tatu não morreu. Talvez não tenha nem ao menos tomado vermífugo. Mas o Brasil é outro, em suas várias e desiguais regiões.

A população rural diminuiu espantosamente, o que provocou a inchação das megalópoles de periferia miserável. Na nostalgia do caipira, como em toda nostalgia, há uma boa dose de imaginação. Pura fantasia.

Vinda através do tipo country, ela vem embalada pelo modismo americano, com passagem pelo Texas e adjacências. Tanto quanto em 1919, o Brasil grita que quer mudar. Mas Chitãozinho e Xororó são muito mais ouvidos do que o Ruy e Lobato, dois velhos fora de moda....

otto-lara-resende
As crônicas aqui reproduzidas podem veicular representações negativas e estereótipos da época em que foram escritas. Acreditamos, no entanto, na importância de publicá-las: por retratarem o comportamento e os costumes de outro tempo, contribuem para o relevante debate em torno de inclusão social e diversidade.
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