Da minha parte gostei dessa alcunha ― república do pão de queijo. Pode existir fora de Minas, não sei. Mas em Minas, o pão de queijo é uma quitanda especial. Superior. Se você não sabe o que é, não procure no dicionário. O dicionário é insípido. Provável que nem registre a palavra. Cumpre sabê-la na boca, no remoto paladar, inconsútil. Gosto, aroma, vista, é tudo junto. Uma só onda que envolve. Impregna. E volta sempre, pavloviana.

A violência e a torta de maçã, dizem os americanos, são típicas dos Estados Unidos. A insólita aproximação me desagrada. Lado a lado, o sabor doméstico da torta e o horror da violência. Tentativa de dar a violência como natural. Até inofensiva. Já a república do pão de queijo, não. Junta o ideal republicano ao que há na casa de objetivamente gostoso. Maternal. A suculenta e universal palavra pão. Mineiramente de queijo. Duas vezes simples.

Aí é que está. A dificuldade na simplicidade. Comecei a indagar daqui e dali e já ia pelo caminho enciclopédico. A receita é fácil. Há várias. De Ouro Preto, de São João del-Rei, de Diamantina. Varia no detalhe, mas o que importa é o jeito. A arte. Como no jardim, se a mão não é boa, nada feito. A mão para amassar e sovar. A exata pitada de sal. O forno quente, pré-aquecido. Quanto tempo? Não olhe o relógio. A hora fala, manifesta. No forno e em você.

No Serro Frio havia a Maria Pão de Queijo. Pergunto à Geralda, que é serrana, quantos pãezinhos cabem num tabuleiro. Para meio quilo de polvilho, digamos. Polvilho azedo, claro. Não sei, diz ela. Nunca contei. Pequenos segredos que esconde até de si mesma. Não estão na memória. Estão no sangue, circulam pelo coração. Quem prova é que não esquece. Só não gosto da bola de grude, dentro. Pão de queijo não tem miolo. Já a Heleninha adora, embatumado.

Bisneta de uma quitandeira como a d. Zuzuca, como é que pode? Mas tanto não nega a raça que me fala da universalidade da nossa quitanda. Churrascaria, supermercado, restaurante, por toda parte. Inventaram o pão de queijo congelado, que heresia! Venho do forno de barro, do lado de fora da cozinha. Nunca se sabia quantos estavam sendo assados. Não dava tempo de contar. Era assando e comendo, ainda quentinho. Ah, pobre Brasil, assim mereça essa república!

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