A mim me toca de perto. É verdade que tenho esse fraco. Não posso ver multidão sem que me abale. Um estremecimento, o nó que sobe à garganta. Pode ser num estádio, ou numa praça. Se é gente reunida por um sentimento comum, uma causa, então vai fundo esse engasgo. Imagine agora o que me vem diante dessa meninada. Nem é preciso sair à rua. Basta ver, ver e ouvir, na televisão. Entra porta adentro esse alegre tumulto. Alegre e indignado.

Esse agito que sacode a cidade. De esquina em esquina, é o país que se move. Nenhuma dúvida de que o gigante despertou. O espetáculo vibra a corda mais íntima. Não há coração, por mais calejado que seja, que se conserve insensível. Nossa alma cívica, é verdade, vem sendo maltratada de maneira impiedosa. O sádico destino que escusa indagar, ou decifrar. Foi assim e pronto. Uma decepção se enfia numa frustração, para nos barrar o caminho.

Fogos apagados, a vil tristeza foi ao exagero de eliminar a linha do horizonte a que todo cidadão tem direito. A consciência da fraterna cidadania cedeu lugar a uma ponta de vergonha. Pior do que não ter de que se orgulhar é o desconforto interior. Já nem seria o caso de ufanismo. Não. O brio de nos saber brasileiros, esta, a bandeira que recolhemos. A descrença e o ceticismo deixam aos cínicos espaço para à vontade circularem.

De repente, quando a gente se dá conta, já está de pé. Mais que ela, esse empurrão de solidariedade. Essa oportunidade de ver, renascida, a afiada lâmina da fé. Está aí, inteiro, o estandarte. No alvoroço da vontade de mudar, a garotada já o arrebatou. Nem um frade de pedra permanece indiferente. O contrário do amor não é o ódio. Pior que o ódio, é a indiferença. O ódio frio, azedo. Ressentido.

Lúdicos e lúcidos, as caras pintadas, essa festa de garotos diz sim de ponta a ponta. Sim em cada um dos quatro pontos cardeais. Eis aí o Brasil do futuro. Aí está, rumoroso, o futuro do Brasil. Diz não ao roubo. Não à impunidade. Não à corrupção. Não ao que é de ontem e está morto. Morto insepulto, mas morto. Não à miséria, à subnutrição. Não à injustiça. Não à vergonha de ser brasileiro. Meninos e meninas levam pela rua, mais que a esperança, a honra de um povo de cidadãos.

otto-lara-resende
As crônicas aqui reproduzidas podem veicular representações negativas e estereótipos da época em que foram escritas. Acreditamos, no entanto, na importância de publicá-las: por retratarem o comportamento e os costumes de outro tempo, contribuem para o relevante debate em torno de inclusão social e diversidade.
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