Na minha ração diária da Bíblia, vou ao antigo e ao novo Testamento. Uma beleza e uma fonte inesgotável de sabedoria. Estou agora em Jeremias. Dá vontade de citar tudo. Mas o que interessa é este trechinho: “Até a cegonha pelo ar reconhece a estação, e as rolas e as andorinhas são fiéis à migração”. Advirto que não sou candidato a mandato “evangélico”. Nem quero encher a minha burra com a dinheirama do pobre — uma infâmia.

Saio da Bíblia e entro no jornal. Uma noticiazinha escondida me conta que foi encontrado um falcão peregrino em Presidente Prudente (SP). Já está aí na Paulicéia e espero que a poluição não lhe faça mal. Habituado a viver nas alturas, o pobrezinho está com a asa esquerda machucada. Isto já deve ser coisa da baixaria aqui da nossa altitude zero em matéria de qualidade de vida. É americano, do Texas, como se pode ver pelo anel que traz na perna.

Essa ideia de identificar com um anel foi uma boa. Ajuda muito no estudo das aves migratórias. Com uma curiosidade que me leva a tudo, acabei uma espécie de ignorante universal. Não sei nada direito. Tudo pela rama. Uns anos atrás, li sobre andorinhas viageiras e fiquei fascinado. Tenho uma sobrinha nos Estados Unidos que pesquisa esse vaivém ornitológico. Quem entende um tiquinho do mundo abre o horizonte do conhecimento. Você olha a andorinha e chega à mais alta especulação filosófica. Vai a Deus.

Não conheço o falcão peregrino. Conheço o gavião, que é o falconídeo brasileiro. Tenho no ouvido o pio do pinhé, que é ave de rapina, como todo falcão. Até na palavra o bicho é rapace: falcão é a foice das suas garras. Peregrino não é porque é bonito, mas, sim, porque é estrangeiro. Um turista, esse pássaro. E com as próprias asas. O inverno lá no Norte anda rigorosíssimo. Uma geleira. Aí lá vem o falcão americano veranear no Brasil. Depois dizem que o Brasil não presta para nada.

As aves do céu nos ensinam que vivemos num mundo só. Aqui no Rio tem sol demais nesta época. Mas eu vi morrer centenas de pessoas na nevada do século em Boston. O Paulo Francis diz que no nosso atraso o clima deve ser decisivo. E taxativo: “Não há país rico quente”. Deus me livre de polêmica, ainda mais com o Francis. Mas, ó Deus, isto não é uma fatalidade. Neve é muito engraçadinha quando começa. Depois é uma lama horrorosa. E atrapalha mais que o calor e as enchentes. Perguntem ao falcão peregrino.

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