Fonte: Vento vadio: as crônicas de Antônio Maria.  Pesquisa, organização e introdução de Guilherme Tauil, Todavia, 2021, pp.122-123. Publicada, originalmente, no Diário da Noite, de 27/09/1961.

Todos estão tristes às 4h25 da tarde, na avenida Nossa Senhora de Copacabana. São muitas pessoas e todos os rostos são apreensivos. É como se houvesse uma causa comum, essencial, anterior. Todos caminham amargurados às 4h25 da tarde, na avenida Nossa Senhora de Copacabana.

Por quê, se não vai chover e se o mar não vai transbordar? Por que esse ar de todos, tão aflito, de quem não se sabe achar?

Tempos atrás, passei pela avenida Nossa Senhora de Copacabana, todos eram felizes. O amargurado era eu. Hoje, na multidão, não tenho mais que dois problemas. Dói-me a botina nova, no pé esquerdo, e vou comprar um ferro elétrico. Quanto à botina, bastará descalçá-la quando chegar em casa. E sentir a dor passando, que é um prazer muito maior que o de nunca ter tido dor nenhuma. Mas, o ferro elétrico? E o ferro elétrico? Como é que se compra um ferro elétrico? 

Pergunta-me o homem do balcão:

— Como é que o senhor quer o ferro elétrico?

Hesito e respondo, na medida do possível:

— Um que seja bem elétrico.

Sim, porque se vou comprar um ferro elétrico, quanto mais elétrico for, melhor. Se fosse comprar um quadro-negro, tinha que ser o mais negro de todos.

Volto à rua e as pessoas estão ainda mais aflitas às 5h15 da tarde, na avenida Nossa Senhora de Copacabana. A tarde vã, desperdiçada, no rosto de cada semelhante. Como se cada um tivesse uma coisa sem remédio na parte alta da cavidade torácica. Uma angústia, uma falta de ar, malgrado a tarde estival.

Falta de exercício respiratório. Nada mais que isso. O homem se desentende consigo mesmo porque se esquece de respirar. É preciso aspirar, no mínimo, quatro litros de oxigênio em cada tomada de ar. O homem de hoje não respira, ofega. Como os cachorros. E isto altera o equilíbrio moral de cada um.

Aflige-me o pobre olhar das multidões. Por nada. Não há culpa ou causa comum. Cada qual carrega o seu deserto, seu calvário particular, porque na angústia, no fundo da grande angústia, há uma cômoda preguiça, um estágio de lânguido torpor como o do ópio.

Não há nada a fazer pelas pessoas da tarde, na avenida Nossa Senhora de Copacabana.

antonio-maria