Cinco milhões por dia! É o que o porta-aviões Minas Gerais custará ao Brasil, isto é, nós. Cinco milhões de cruzeiros todos os dias! Todos os dias! 150 milhões por mês! Um bilhão e 800 milhões por ano!

Caí das nuvens. Nunca passou pela minha cabeça que qualquer país do mundo dispusesse de cinco milhões todos os dias, cinco milhões sobrando das exigências orçamentárias. Não sou forte em finanças, mas comecei a pensar: se me dessem para administrar esses cinco milhões diários, eu executaria neste país coisas do arco-da-velha. Modéstia à parte. E estou certo de que você faria melhor do que eu. Nem seria necessário estabelecer planos minuciosos; eu iria fazendo, mais nada.

Nos primeiros tempos, resolveria, por exemplo, o problema das favelas, construindo bairros proletários com todas as comodidades sociais, básicas. Depois, iria para o Nordeste, aplicando os cinco milhões diários no problema das secas, em atividades de saneamento e de recuperação econômica. Subia um pouco mais e atacava os principais flagelos da Amazônia. A essa altura, confesso que já devia estar meio cansado e tentado na minha lisura. A fim de evitar um deslize moral qualquer e também como paga de meu trabalho, eu resolveria então resolver o meu próprio problema. A verba de um único dia para mim. Com cinco milhões rendendo juros, ficaria tranquilo, preparado para dedicar-me de corpo e alma ao bem público. Como dizem os oradores de comício, eu não seria um homem, mas cinco milhões em marcha. Em marcha para a emancipação econômica!

Os financiamentos à lavoura teriam o meu beneplácito, começando pela do feijão. Abriria escolas públicas, hospitais, maternidades. Construiria silos e frigoríficos, rasgaria estradas.

Parto do princípio de que, com cinco milhões por dia, a gente pode construir uma nação; melhorá-la é bem mais fácil.

O trigo e a navegação de cabotagem (o frete e o pão são extraordinários comedores de divisas) receberiam o meu substancial incentivo. De vez em quando, naturalmente, teria de alterar a execução rotineira de minhas tarefas para socorrer as famílias das pessoas falecidas na Central e em outras catástrofes. Depois, recomeçaria.

Dentro de alguns anos, o nosso querido Brasil estaria transformado, com melhores cores, mais gordo, mais limpo, convalescendo enfim do insidioso subdesenvolvimento.

Resolvidas as coisas fundamentais, meu empenho estaria colocado nas obras de importância menos imediata. Semeava árvores por todos os cantos, faria jardins dentro das cidades. É claro que por essa época os outros melhoramentos realizados estariam dando renda por si mesmos, acelerando o progresso geral. É ou não é?

Enfim, uma bela manhã, daria de cara com um Brasil 100%, bonito, ativo, próspero, curado definitivamente do subdesenvolvimento. Aí, eu patrocinaria uma fabulosa noite veneziana em todas as cidades litorâneas e fluviais e uma espetacular festa de São João nas cidades sem mar e sem rio.

Meu trabalho seria bem mais suave. Os cinco milhões diários seriam canalizados para obras menores, notadamente as que alegram a alma pública. Importaria um nédio rinoceronte para o jardim zoológico de São Paulo, construiria um lindo mausoléu para os acadêmicos, ofertaria um quadro célebre para o museu do Sr. Assis Chateaubriand, daria uma entrevista coletiva à imprensa do meu país, protegeria as escolas de samba e os clubes de futebol, procurando recuperar os nossos craques que jogassem na Europa. Então, sim. Quando tudo estivesse funcionando, sem miséria, sem fome, com todo mundo rindo à toa, compraria quatro porta-aviões bacaníssimos, um para a Marinha, um para a Força Aérea Brasileira, outro para o Exército e um menorzinho para mim.

paulo-mendes-campos
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