Não escrevo apenas para o leitor de Porto Alegre, e por isso preciso lembrar que a rua da Praia, da praça da Alfândega para cima, corre precisamente na direção oeste-leste; o que é mal num dia de verão, porque ela não nos dá o que é de obrigação de uma rua estreita, a sombra calmante e fresca; mas tem suas doçuras no fim da tarde, quando as mulheres vistas de sol em face têm os olhos mais claros e líquidos, e vistas contra a luz horizontal são silhuetas apenas vagamente coloridas. Ao fim de 15 anos noto que as árvores da praça da Alfândega cresceram, a praça está mais bela; mas também cresceu o número de homens postados ao longo da rua da Praia, em três filas, sendo uma delas no meio da rua. Neste país de mirones não creio que exista em parte alguma um regimento mais concentrado de homens; é triste.
Contarei que há bairros novos nas alturas de leste; acima de Petrópolis nascem casas em futuras e já presentes ruas que, entretanto, deveriam ser mais largas; que para o norte existe uma Vila Niterói, e os pastos onde mugiam lentas vacas holandesas vão virando lotes, outras vilas de gente modesta vão surgindo ao longo da ferrovia e da estrada federal; que, para o sul, lugares que eram apenas lugares hoje também viram bairros, e apesar disso continuam lindos, as casas ainda se escondem sabiamente entre árvores. Tristeza, Vila Assunção, Conceição, Ipanema, Espírito Santo... Há casas de sonho, entre árvores, com praias particulares, mas a Prefeitura teve o bom senso de não deixar que os ricos ficassem donos de tudo, fez uma coisa simpática, lugares para trocar de roupa e fazer piquenique; surgem barzinhos, dançam as velas ao vento em valsa lenta, o sol lentamente desce sobre o rio, o vento amaina, e o porto-alegrense começa a degustar seu crepúsculo sábio e longo, de cores leves. Lembro que há 15 anos chamei um jovem pintor, Carlos Scliar, à janela do meu apartamento, no último andar do edifício Santa Rosa, mostrei-lhe a lenta agonia das cores sobre as casas, as águas e as ilhas verdes longe, ele disse que não queria pintar aquilo, que era cartão postal. Eu não disse nada, há anos não vejo Carlos Scliar e lhe dou uma resposta com 15 anos de espera: a arte é um cartão postal visto através de uma sensibilidade. Quando vires um cartão postal, entra dentro dele, mora nele, respira e sente nele, ele voará pelos trens e aviões, ondas hertzianas, televisão, radar de disco voador; voarás, levitarás no infinito; não temas o cartão postal! Não mates o mandarim! Bem, fomos até Belém Novo, miramos a água, voltamos na boca da noite fresca, depois, houve galeto com vinho depois mergulhamos no Clube da Chave, que é do poeta Ovídio Chaves e ajuda generosamente a Casa dos Artistas, e é mais jeitoso que o do Rio, o piano era bom, o uísque também, havia, entre outras, aquela mulher seguramente bonita, e ela falava e ria, e seu olhar prometia, e quando foi de madrugada, prenda minha, foi-se embora... mas enfim a madrugada ainda estava toda banhada de luar, e no ar azulado e fino, entre árvores ao vento, e um leve sono, havia a esperança de outras madrugadas.