Encontrá-la na esquina foi uma surpresa. E embora estivesse com pressa, e talvez porque sentisse um leve embaraço, convidou-a para tomar alguma coisa no bar ali perto.

Aquele amor acabara sem drama nem tristeza; acabara de longe, durante uma viagem forçada que ele fizera. Mandou-lhe uma ou outra carta, e ela também lhe escreveu algumas vezes, bem humorada e cordial. Depois o tempo foi passando e ambos se limitaram a cartões de aniversário. Quando ele voltou ao Rio ela tinha outro amor; não a procurou logo; encontrou-a depois uma ou duas vezes, ocasionalmente; achou-a bonita, talvez um pouco mais do que antes, mas não pensou em recomeçar nada.

Agora há muito tempo não a via  — e quando o garçom deixou os copos e se afastou, ele se surpreendeu, com um ar muito natural, a dizer coisas boas, que aquele novo penteado lhe ficava muito bem, e a saia era uma beleza, e o cinto... Ela protestou, aquele cinto largo e elástico está sendo usado por milhares de mulheres, de maneira que ele não poderia dizer que era elegância; uma senhora elegante jamais usaria coisa tão banalizada; seria o cúmulo do galanteio barato elogiar o cinto. Pois ele fez questão de dizer que exatamente admirava nela a tranquilidade com que usava um cinto que todo mundo usava, e a verdade é que para a sua cintura ele ficava especialmente bem: ela tinha bastante elegância natural para não temer a banalidade. Dizia essas coisas com sinceridade, mesmo com uma certa veemência, e ela riu: “você, sempre o mesmo”!

Então houve um instante em que ambos sentiram que estavam na beira de relembrar “aquele tempo” e subitamente ele começou a falar da casa em que morava agora, ela, como agradecida por ele ter evitado a conversa de recordações, começou a fazer perguntas impessoais, aceitou outro copo de bebida, contou uma história da irmãzinha (e quando estava contando se lembrou, e esteve quase dizendo, que a irmãzinha ainda há pouco tempo se lembrara dele. perguntara de repente por ele, mas omitiu isso porque seria afinal uma referência “aquele tempo”); ele achou graça na história da menina, perguntou se ela estava muito alta e se estava ficando tão bonita como parecia que ia ficar, de súbito ela olhou o relógio, fez uma exclamação, estava atrasadíssima, ele pagou, acompanhou-a até um táxi na outra esquina  — e depois que ela lhe acenou com a mão e fez um sorriso de despedida ele ainda se demorou um instante na calçada, vendo a sua cabeça no interior do carro que se afastava, sentindo-se vagamente contente por ela ter ido embora, ou talvez por ter sido tão cordial o encontro e ele não ter dito nenhuma tolice e também não ter sido seco, ao mesmo tempo sentindo uma ternura por aquela mulher que fora sua e que lhe dera tanta tristeza e tanta alegria, lembrando que durante algum tempo a amara com uma verdadeira aflição, com uma espécie de loucura, e sentindo suave sentir que ela ainda lhe despertava carinho e certamente também desejo, mas de um modo apenas agradável, como quem passa no trem e vê um remanso de rio e pensa que seria gostoso dar um mergulho ali (não aquele sentimento de antigamente, faminto e doloroso de ciúme) e se perguntando se não voltaria a amá-la se a visse muitas vezes, e ao mesmo tempo feliz por ter acabado tudo, feliz com seu coração livre, leve, solteiro.

rubem-braga
As crônicas aqui reproduzidas podem veicular representações negativas e estereótipos da época em que foram escritas. Acreditamos, no entanto, na importância de publicá-las: por retratarem o comportamento e os costumes de outro tempo, contribuem para o relevante debate em torno de inclusão social e diversidade.
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