Fui outro dia ao Monte Carlo, grimpado na montanha, sobre as águas da lagoa onde Paulo Soledade e Fernando Lobo organizaram um show de qualidade, iluminado pela graça de algumas jovens realmente belas. O Grande Otelo, artista como sempre, brilha em seu número. Confesso, porém, que em certos momentos (na primeira noite; não sei se continua assim) as palavras do negro assumem, no meio de toda a brincadeira, um travo de ressentimento racial ou social que, justo ou não, destoa de uma atmosfera de show de boate.

Ontem à noite fui a outra boate, em que Josephine Baker sabiamente esconde as suas pernas outrora miraculosas e seu corpo outrora empolgante em belos vestidos de Dior. Ela domina tranquilamente a plateia ― cantando, evoluindo pelo tablado, dizendo coisas. E são coisas cheias de graça, que ela diz com muita classe; mas aqui também, quando Josephine fala de amor e do passado, e se refere à sua idade, há uma nota de tristeza que não me parece nada estimulante.

Está claro que show não é teatro, onde cabem todos os sentimentos e fica tão bem o drama quanto a comédia. Será que a vida anda ficando tão triste que até nos lugares de prazer ela infiltra o seu amargor e a sua melancolia? Ou eu é que estarei ficando mais sensível ― fisicamente incapaz, por exemplo, de comprar o último número dessa revista habitualmente bela só porque sua capa, no lugar de alguma coisa sedutora ou alegre, mostra um senhor de idade tomando banho de mar, e com esta legenda tristemente mentirosa: “a vida começa aos 70”? Mas a verdade é que a letra dos sambas e dos blues também fala de coisas tristes, miséria, desengano, saudade, desprezo; e nem por isso tais tristezas aborrecem ninguém, antes embalam a criatura e ajudam a levar a vida.

Há alguma coisa de errado nesses shows e nessa revista ilustrada: que eles nos contem coisas, mesmo coisas melancólicas, mas sem inspirar essa “apegada e vil tristeza”, que nas ruas do quotidiano a gente já encontra demais.

rubem-braga
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