Outro dia me fizeram a pergunta clássica: “para quem escreve você”? É claro que quem escreve para jornal está escrevendo para toda gente; mas o indagador queria saber é em quem o cronista pensa quando está escrevendo, a quem ele se dirige mentalmente de maneira especial.

Isso, na verdade, varia muito. Às vezes, é fato, a gente escreve para algum amigo; a crônica é uma espécie de prolongamento de uma conversa; ou é um recado disfarçado, alguma coisa que a gente gostaria de dizer, mas prefere não dizer diretamente. Também acontece que, ao escrever, a gente está pensando, por exemplo, naquela mulher — que, por sinal, pode muito bem acontecer que não leia a crônica. Ou, pior ainda, que a leia, e não goste, ache cacete e nada mais. Nesses casos pode suceder que outra mulher se comova com aquilo que não comoveu a destinatária; e uma terceira ache que estamos lhe mandando uma velada mensagem. A própria pessoa que escreve nem sempre identifica perfeitamente a mulher que o está inspirando; há uma parte de inconsciente na escrita, e não foram os surrealistas que inventaram isso.

Só um cronista diário que seja um monstro de vaidade pode ter a pretensão de fazer todo dia alguma coisa interessante. Na maior parte das vezes ele se contenta em achar que o que fez está passável; às vezes luta entre o remorso de falhar e o remorso talvez pior de mandar para o secretário do jornal uma coisa que sabe medíocre demais, ruim. Esses remorsos não matam o profissional; talvez o engordem. Todo cronista sensato sabe que seu gênero é o mais precário que existe, e depende de tudo, inclusive da moda. E não acreditem muito no cronista que diz que está pensando em fazer um romance; na verdade depois de alguns anos ele já gastou aos pedacinhos, aqui e ali, na sua meio-literatura apressada todo o material emotivo, todo o conjunto de impressões e lembranças que lhe serviriam para compor um romance que fosse realmente alguma coisa sincera e viva, alguma coisa sua. A “mensagem” do romance ele já a transmitiu no “Morse” ocasional das crônicas.

Uma das boas coisas de ofício de cronista ainda é reparar que uma página que a gente acha ruim, malfeita, incapaz de interessar alguém, é recebida, surpreendentemente com emoção e carinho. Até hoje recebo cartas de pessoas encantadas com uma crônica sobre o Jardim Botânico que eu acreditava fraquíssima: estive quase deixando essa crônica para acabar no dia seguinte, tão ruim me parecia pouco antes de terminá-la: entretanto ali havia uma emoção legítima que se transmitiu a muita gente e obrigou várias pessoas a irem até a Gávea ver a flor de que eu falava. Casos inversos também acontecem em número suficiente para impedir que o cronista se encha de vaidade.

Assim é, oh leitor, o nosso vão ofício. Tem suas tristezas e decepções, seus tédios, mas também seu consolo. O menor deles, ainda que vulgar, não é este que neste momento sinto, como todo dia, ao chegar o instante de fechar a crônica “enfim, eu fiz o que podia, cumpri o meu dever”. Adeus.

rubem-braga
x
- +