Dois amigos meus que leram os três volumes dessa Vida de d. Pedro I de Octávio Tarquínio de Sousa disseram que é um livro de que a gente fica com saudade quando acaba, quando o herói morre ainda tão moço, ainda capaz de tanto heroísmo e tanta estrepolia. Foi isso mesmo o que senti chegando ao fim da leitura, vontade de pedir ao historiador a vida de Pedro II como quem repete um prato gostoso em um restaurante: “salta mais um Pedro!”

Mas o segundo imperador, com toda a sua tremenda importância na formação do Brasil e apesar de ter vivido quase o dobro do pai, não daria um livro assim, cheio de interesse e de vida. Livro que inspira logo a vontade de se ver essa história em um filme, que poderia começar e acabar como começou e acabou d. Pedro a sua vida, com a visão das pinturas inspiradas nos feitos de d. Quixote, em seu quarto no palácio de Queluz. Filme com cenas patéticas, burlescas, heróicas e líricas: o rei fugindo às pressas com sua corte para o outro lado do mar, sem tempo para acabar de embarcar a bagagem, um fidalgo chorando a falta de um bule que fazia o melhor chá do mundo, dona Carlota Joaquina xingando todo todo mundo, dona Maria I louca, não querendo entrar no navio, o menino de olhos assustados. Depois a infância meio solta, as primeiras aventuras com mulheres — mulatas, francesas, tudo o que aparecesse, mulher de todo mundo, mulher de ninguém, mulher dos outros; e o casamento, e a madrugada dramática de 26 de fevereiro de 1821, com o príncipe a galopar de São Cristóvão para a cidade e da cidade para São Cristóvão, e o 21 de Abril, o Fico, o gesto do Ipiranga. a impressionante paixão por Domitila, a chegada da segunda imperatriz, a renúncia à guerra em Portugal.

E que figura rica de humanidade a desse moço mulherengo, arrebatado, presunçoso, avarento, generoso, liberal, corajoso, cafajeste, orgulhoso, infatigável, apaixonado, pai extremoso de filhos de muitas mulheres escrevendo hinos e constituições, homem de ação fulminante e ao mesmo tempo escritor torrencial de cartas, memórias, decretos, discursos — heróico, vulgar, pornográfico, sublime…

Confesso que depois da leitura desse livro a figura de d. Pedro, apesar de todos os seus contrastes, cresceu para mim. E também confesso a ideia errada que eu fazia do “Chalaça” — um simples alcoviteiro, agente de mulheres e espião cafajeste do imperador, do tipo que até hoje ainda prolifera no Brasil — quando ele adquire certa dignidade pelo seu trabalho estafante e minucioso de secretário e principalmente pela sua dedicação exemplar.

É sem desculpar os defeitos, erros e vulgaridades de Pedro I que Octávio Tarquínio o retrata neste livro: mas sempre tem para ele um certo tom paternal, ainda que de pai severo; e acima de todo o acervo contraditório de atos, palavras e sentimentos, intenções e gestos medíocres ou grandiosos, mostra o puro ímpeto da arrancada final de sua vida, bela arrancada de heroísmo e desinteresse em que ele mostrou sua verdadeira grandeza.

rubem-braga
As crônicas aqui reproduzidas podem veicular representações negativas e estereótipos da época em que foram escritas. Acreditamos, no entanto, na importância de publicá-las: por retratarem o comportamento e os costumes de outro tempo, contribuem para o relevante debate em torno de inclusão social e diversidade.
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