Rua Álvaro Alvim. Atrás da Cinelândia, traçada exclusivamente entre altos edifícios, ela guarda, entretanto, muita coisa, das ruas do Rio Antigo. Isso porque a fizeram estreita, sombria, escondida.

Qualquer urbanista condena isso. Se vamos abrir ruas marginadas de arranha-céus elas devem ser largas, amplas, para que circulem à vontade os veículos, as pessoas, e também o ar e a luz. Mas não é de estranhar que a arquitetura, no Brasil, ande sempre na frente do urbanismo, nem que uma estivesse em 1920 enquanto o outro continuava na Idade Média.

Aliás arranha-céu já não é arquitetura apenas: pelo seu caráter de habitação e utilização múltiplas ele apresenta os problemas de uma pequena cidade; e isto só lentamente começa a se compreender, pois só agora essas aldeias verticais vão sendo dotadas de serviços adequados à coletividade que abrigam, vão cuidando de ter seu jardim, seu playground, sua piscina, sua lavanderia, etc.

Sim, a rua Álvaro Alvim é quase medieval, pelo contraste entre seu leito e suas margens. Na Esplanada do Castelo já não se cometeu esse erro tão acentuado, apesar de seu traçado confuso e suas incoerências. Mas acontece que hoje eu trabalho na rua Álvaro Alvim. Está sempre atravancada de carros e de gente, é estreita, suja, às vezes, úmida. Mas no meio de tudo isso, que sombra fresca! Pode ser que tudo nessa rua esteja errado — mas para quem vem de avenidas e ruas largas com muito calor e muita luz, é doce entrar na rua Álvaro Alvim. Podem dizer que as árvores e as loggie podem servir de defesa nas avenidas e ruas largas — mas não é a mesma coisa.

O que me pergunto é isto: se os urbanistas modernos fossem fazer outra vez o Rio, teríamos duas ruas como a Ouvidor e Gonçalves Dias, por exemplo? Ruas — não galerias de pequenas lojas — ruas assim suaves, reservadas apenas para o pedestre: ruas que parecem feitas na medida da gente, fáceis de atravessar, ruas onde a pessoa encontra pessoas, ruas intensamente sociáveis, humanas, acolhedoras? Eis o que é preciso ponderar: como a avenida Presidente Vargas é hostil ao homem, é desagradável, imprópria para pessoas, feitas apenas para máquinas — e como a rua do Ouvidor é humana e fácil.

Os urbanistas me acharão cândido; mas eu os conjuro a pensar na parte de doçura que havia na cidade antiga, e a reservar, na cidade moderna, algumas ruas que não sirvam para cavalos nem para motores, mas sirvam para homens, mulheres, velhos, crianças; que sejam como um clube de todo mundo, um clube de transeuntes, gratuito e suave, onde os cidadãos se vejam e às vezes se abracem.

rubem-braga
x
- +