Existe em Turim um alfaiate esperto, que fez fama por ter oferecido ao Papa, há dois anos, um manto simbólico, a que chamou “a capa da paz”. Vai agora aos Estados Unidos oferecer ao presidente Truman, que o receberá na Casa Branca, o “casaco da paz”. Diz que na volta oferecerá outras capas de modelos diferentes, mas todas “da paz” a outros líderes políticos europeus. É provável (isto não vem nos telegramas, mas vem na lógica da publicidade) que ele presenteie o marechal Stalin com uma “pelerine da paz”.

É coisa tão querida a paz que todos querem estar ao seu lado e ser tidos como seus filhos, ou pais, ou pelo menos amantes. O alfaiate Santomauro faz nome e fortuna à custa disso. Quando esgotar o número dos grandes chefes, ele se voltará, com certeza, para o homem comum, e nos oferecerá o pijama da paz, que há de ser azul, e sem listras nem bolinhas. Talvez entre em entendimentos com alguma empresa metalúrgica para lançar — em Caxias, por exemplo, —

o “colete de aço da paz”.

Desde os tempos do Dilúvio a paz tem um símbolo que assusta pela fragilidade. A pomba é, afinal, um bicho como os outros, que ama sua paz, mas luta por comida ou por amor. Ainda outro dia, num desses momentos de doce vagabundagem que a gente tem necessidade de roubar ao vaivém utilitário e insensato do Rio, quedei-me dez minutos junto à estátua de Floriano vendo as pombas, rolinhas e pardais que algum amante dos passarinhos costuma atrair para ali com punhados de fubá. Assisti a mais de uma luta rápida, de bicadas, e cheguei à conclusão melancólica de que não há paz, nem mesmo no mundo das pombas.

Conta um amigo ter ouvido de sua tia, senhora muito boazinha, que um dia ela estava na sala de jantar em uma casa do interior de Minas, quando uma linda pomba pousou em sua janela. A boa senhora foi se aproximando devagar, e conseguiu pegar a pomba. Viu então que em uma das patas ela tinha um anel metálico onde estavam escritas umas coisas. Meu amigo esclareceu que devia se tratar de um pombo-correio, e a tia disse: “Era muito bonitinho, e mansinho mesmo; eu gosto muito de pombo”.

— E que foi que a senhora fez? 

A santa senhora olhou o sobrinho com um ar de surpresa, como se a pergunta lhe parecesse pueril: “Comi, uai, comi com arroz…”

Assim há no mundo, alfaiate Santomauro, muito amante da paz. Com arroz.

 

Temas: Pensamento; história; conflito.

 

 

rubem-braga
As crônicas aqui reproduzidas podem veicular representações negativas e estereótipos da época em que foram escritas. Acreditamos, no entanto, na importância de publicá-las: por retratarem o comportamento e os costumes de outro tempo, contribuem para o relevante debate em torno de inclusão social e diversidade.
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