De uma senhora, amigo, me contaram um gesto que, nem por ser de desdém, deixa de ser de justiça. Trata-se de bela senhora que, em tempos idos, brilhou em todas as cerimônias e festins. Era natural que assim fosse, posto que se casara com um alto personagem; e mais ainda por ser dama de elegância, formosura e espírito.

A mudança das coisas, que houve há cinco anos, pôs abaixo o alto personagem. Não apenas deixou de ser alto como até personagem, ficou sendo apenas um vago, obscuro espectador. Sua senhora também mergulhou, companheira fiel, na penumbra desse ostracismo; seu perfil já não era visto no couché das revistas de luxo; seu nome quase já não se dizia, nem ouvia. Encontrei-a, nesses tempos, em casa de amigos comuns, e sucedeu que me sentei ao seu lado. E a certa altura ela me confessou sua melancolia. Sentia-se velha e triste. Sem nenhum esforço, nem favor, eu disse que a achava bela, e bem. Cuidei ouvir-lhe um suspiro. Interpretei-o a meu modo, pensando: “A esta senhora o que lhe falta não é beleza, nem mocidade, nem conforto; afinal, em um mundo de tantas aflições e carências, a vida lhe é sossegada e doce. Mas os galanteios e lisonjas, os sorrisos e as palavras finas, tudo isso ela teve, e não tem mais. E tudo isso lhe faz falta como à flor a brisa fresca, o sol e o ar da loura manhã. Sem esse  alimento aéreo e imponderável, mas costumado, ela se fana, e murcha”. 

Pois a roda da fortuna vem agora colocar outra vez esse casal na luz. Outro dia foi o aniversário da bela dama; e então à sua casa chegaram cestas de flores, e mimos, e afetuosas mensagens. O que me contam é que a senhora olhou tudo aquilo com os olhos frios, e um sorriso triste. Sentou-se à mesa e passou os olhos, um a um, pelos cartões e telegramas que recebera. Separou apenas dois ou três: os que, todo ano, através de um lustro de ostracismo, continuara a receber; e só a esses agradeceu. Chamou a criada e lhe indicou com um gesto os presentes dos amigos novos, ou ressuscitados, e lhe disse apenas: “Isso é para você”.

Não sei se a história é verdadeira, pois hoje contam muitas, e algumas falsas. Mas é uma fábula dos tempos. Pareceu-me valer a pena contá-la; não para fazer agrado a essa senhora, que deles não precisa e, como ficou visto, nem mais os quer; mas para edificação de outras que vão agora mergulhar nessas melancolias. Que elas recebam estas linhas como se fossem flores, ainda que tristes. São, creio bem, as primeiras que lhes mando. Aceitem-nas; pois não hão de ter muitas nesses tempos que vão vir. 

rubem-braga
As crônicas aqui reproduzidas podem veicular representações negativas e estereótipos da época em que foram escritas. Acreditamos, no entanto, na importância de publicá-las: por retratarem o comportamento e os costumes de outro tempo, contribuem para o relevante debate em torno de inclusão social e diversidade.
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