Fonte: Caderno B, Jornal do Brasil,  de 28/10/1974.

A aplicação de um composto de silicone no pelo de cobaias teve por resultado que tais pelos cresceram tanto que com eles foi possível fazer tranças. Isso aconteceu no Instituto de Química Orgânica de Irkutsk, Sibéria. O novo produto se chama Mival, em homenagem aos cientistas que o criaram, Mikhail Voronkof e Valery Dyakov. Já foram feitas experiências em seres humanos, e se anuncia, com reservas, que os resultados têm sido promissores. Tudo indica que o silicone será brevemente um bom restaurador de cabelos humanos.

Suponho que essa notícia suscitará reações diferentes entre os dois únicos tipos de carecas que existem: o neurótico e o conformado. O neurótico é aquele que faz tudo para disfarçar a calvície, razão pela qual a sua hipocondria se circunscreve à caixa craniana. Não deixa de comprar qualquer remédio anunciado como capaz de fazer milagres nesse setor. Submete-se a massagens, penteia-se cuidadosamente de modo a esconder o avanço da calvície, sonha com o implante capilar, rende-se à humilhação da peruca — ou simplesmente adere ao boné.

O outro tipo não dá muita bola para a aparência exterior. Quase sempre é necessário que algum gaiato lhe grite na rua: “ô careca”! — para ele admitir finalmente que já anda com entradas de testa muito pronunciadas. Faço parte do segundo caso. Ando com cabelos revoltos sobre a calva enfeitada com lamentável penugem. Pertenço à geração tola, ignorante, dos machões que não podiam tocar piano nem lavar a cabeça com xampu. Quem tocasse piano e lavasse a cabeça com xampu, de três em três dias, e não todo santo dia com o corrosivo sabão, era tido por efeminado. Naquele tempo, até as bicicletas tinham sexo.

Ora, já não tenho idade para voltar atrás, e nem me desgosta o espetáculo de minha calvície progressiva. Aprendi que a vaidade é muito relativa. Aprendi, por exemplo, que uma pessoa sem dois dentes na frente da boca é mais feia do que outra pessoa sem o antebraço. A mutilação irreparável acaba sendo aceita por natural. Enquanto os dois dentes que faltam podem ser colocados à perfeição por qualquer dentista. Num caso, o do braço, estamos diante do infortúnio; no outro, recebemos uma mensagem de desleixo.

Mas a calvície não chega a ser uma doença; não é mutilação; nem indica desleixo, pois os cabelos caem à nossa revelia, não havendo ainda (a não ser brevemente com o composto de silicone) um remédio 100% garantido para assegurar a restauração. E cá entre nós: as mulheres, que seriam as principais interessadas, — aquelas que nos matariam de desgosto caso nos repudiassem por sermos carecas — as mulheres, graças a Deus, até que curtem uma carequinha, havendo inclusive algumas cuja libido se acha fixada na calvície.

Quando o Brasil entrou na II Guerra Mundial, foram convocados os homens que, pela idade, teoricamente, possuíam vastas cabeleiras, ficando na retaguarda os carecas. Estes logo dominaram tanto a situação quanto o carnaval, fazendo a propaganda mais deslavada de sua desvantagem:

Nós, nós os carecas,

Com as mulheres somos maiorais, 

Pois na hora do aperto

É dos carecas que elas gostam 

mais…

Eis aí. O milagre da ciência soviética só terá repercussão entre aqueles que colocam a vaidade acima de tudo. O fato de ser careca não indica que um homem não possa ser um verdadeiro homem. Passemos a algum problema verdadeiramente grave, como o da cura do câncer.

jose-carlos-oliveira
As crônicas aqui reproduzidas podem veicular representações negativas e estereótipos da época em que foram escritas. Acreditamos, no entanto, na importância de publicá-las: por retratarem o comportamento e os costumes de outro tempo, contribuem para o relevante debate em torno de inclusão social e diversidade.