Fonte: Caderno B, coluna "O Homem e a Fábula", Jornal do Brasil, de 28/11/1961).

Dias dourados, noites claras! É bom partir agora. Há praias em que a areia é feita de conchas quebradas; e ao crepúsculo as mulheres dos pescadores costuram as redes que serão lançadas ao mar pela madrugada. Há cabanas onde crianças de pele curtida pelo sol ficam nuas, agachadas, olhando o horizonte onde nada sucede: nada, exceto a Lua que no momento oportuno se levanta no claro azul.

Há também um vento que ergue as ondas e asperge a água salgada sobre nossos rostos queimados; e ao luar, no oceano que rola sereno, peixes de prata franzem a água, levantam-se no ar e caem como pedras. No momento seguinte o silêncio se restabelece.

Alugaremos a choupana de um pescador: talvez haja redes para as nossas sestas tão arrastadas, calorentas e sedentas que o excesso de saúde e tranquilidade se assemelha a uma longa e verdátrea malária....

Pode haver uma tasca onde beberemos cerveja quente e falaremos com o quitandeiro, homem castanho e taciturno, a respeito do tempo e das riquezas do oceano. Iremos com seixos às grandes pedras submersas para arrancar as ostras que comeremos cruas, temperadas em limão. As gaivotas virão no crepúsculo quando estivermos sentados nas pedras, silenciosos, vendo o horizonte sem navios e nuvens.

Vestidos rusticamente, com sandálias velhas e shorts, caminharemos horas e horas na areia, trincando as conchas sob os pés, enquanto as constelações imensas giram e sussurram, e a Lua se imobiliza no ponto mais alto e mais central da abóbada.

O Sol também nasce calmamente, quase uma Lua cheia, embora purpurina. Os pescadores partem nos seus barcos de cascos descoloridos. Um cardume de botos surgirá cavalgando e atravessará o oceano sem nenhuma pressa: sob a água transparente veremos o macio polvo, flor invertebrada, e a arraia de forma achatada e silêncio maligno. Olhando para o alto, veremos a franja de nuvens, ovelhinhas penteadinhas.

Dias dourados, noites claras! No meio do verão volveremos à cidade com a pele bruna e os pelos dourados nos braços. A nova temporada de aflições e canseiras encontrará os nossos músculos bem temperados, e o espírito  indomável prosseguirá sua marcha.

jose-carlos-oliveira
As crônicas aqui reproduzidas podem veicular representações negativas e estereótipos da época em que foram escritas. Acreditamos, no entanto, na importância de publicá-las: por retratarem o comportamento e os costumes de outro tempo, contribuem para o relevante debate em torno de inclusão social e diversidade.