Fonte: Caderno B, Jornal do Brasil, de 20/04/1966.
Um perfeito equilíbrio entre a humildade e o orgulho. Uma sensualidade de tal modo espiritualizada que há tantos anos ele escreveu estes versos:
“Lá, tenho a mulher que quero,
Na cama que escolherei”,
e ainda hoje a coisa dita jaz dormida sob a elegância do ritmo, neutralizada pela estrutura do poema. Os grandes poetas produzem escorpiões, e em seguida colocam o tijolo do sono sobre o perigo. As palavras vão diretas para trás da consciência, e só muito tempo depois, como a semente, eclodem. Saint-John Perse: “O solo arável do sonho”. De modo que a palavra, heráldico, a palavra escudo, a palavra cristal flutuam sobre toda a obra desse Manuel que está fazendo 80 anos.
Nem a morte nem a vida puderam nada contra ele. Nele, até a melancolia é inteligência. Nada pode contra ele a visão mesquinha de um beco, e é preciso saudar na pessoa do poeta Manuel Bandeira a vitória do homem cordial, cuja lucidez é a expressão extrema da delicadeza.
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Foi para o homem cordial que as alunas da Faculdade de Filosofia fizeram a famosa paródia:
“Olé, Manuel Bandeira,
Olé, Manuel Bandá.
Tu me ensina a fazer versos,
Eu te ensino a namorar”.
O homem cordial, num momento ligeiramente constrangedor, me cobra as críticas que lhes fiz, a ele e a Drummond, no tempo em que eu me rebelava contra a cordialidade – tempo em que, como todo jovem, lutava contra aquilo que em mim era brasileiro – meus sorrisos, minha infinita paciência com os chatos, minha crença mágica no poder redentor de uma simples manhã ensolarada, minha falta de caráter, digamos logo... Depois, o mesmo Bandeira:
– Não fique preocupado. Drummond e eu achávamos ótimo. Dizíamos: “Este, pelo menos, não virá atrás de nós pedindo opinião sobre os versos dele…”
80 vezes o ano passou. E no começo de um novo ano, bem cedo, o lutador recomeçava a lutar com palavras. Assim, ele ganhou a partida, contra a morte e contra a vida. Parabéns, Manuel Bandeira.