Fonte: Caderno B, coluna "O homem e a fábula", Jornal do Brasil, de21/12/1962.

No dia 24 de dezembro, há dez anos (tinha eu 18), preparei-me tranquilamente para passar o Natal em solidão. Chegara ao Rio em setembro. Depois do período natural de dificuldades que todo provinciano atravessa, começara a trabalhar numa revista. E agora estava ali, na redação, terminando de escrever uma reportagem e pensando nas ruas festivas, onde multidões faziam compras e em como seria bela a noite para os que tinham parentes e amigos. O crítico cinematográfico da revista aproximou-se de mim e disse:

— Olha, eu sei que você não conhece ninguém no Rio, de modo que quero convidá-lo para passar a noite no apartamento de uma amiga minha. Ela vai dar uma festa para gente assim como você.

Tomei nota do endereço, e ele disse: “Ao chegar, é só dizer que você é o José Carlos, que ela já está avisada”.

Às nove horas da noite, rumei para lá. Os sonhos mais ardentes me dominavam. A moça dona da casa era linda e passaríamos a noite dançando colados!

Coisas assim; eu ia andando cheio de esperança. Diante do apartamento, toquei a campainha e então fluíram segundos de espera ansiosa. Abriu-se a porta: uma jovem linda, de vestido vermelho, surgiu à minha frente. Atrás dela vi um corredor, e depois uma sala onde outras moças estavam sentadas, uma das quais conversava com um rapaz. Da vitrola vinha uma canção tristonha.

— Que é que o senhor deseja? — perguntou a moça.

— Eu sou o José Carlos. 

Ao ouvir essas palavras, ela me olhou com expressão indefinível: espanto, ou esquecimento, ou então não ouvira direito, o certo é que ficou olhando fixamente o provinciano durante um minuto bastante penoso. Finalmente, falou:

— José Carlos ainda não chegou. Com licença — e bateu à porta na minha cara.

Meia hora depois, outra vez na rua, eu ainda não sabia se devia rir ou chorar. Fui andando sem rumo, e afinal entrei no Alcazar, sentei, pedi cuba-libre e comecei a encher a cara.

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