Fonte: Caderno B, Jornal do Brasil, de 16/07/1971.

A vida noturna carioca teve duas vezes estilo internacional. A primeira foi na época áurea dos cassinos, e a segunda quando funcionavam o Night and Day, na Cinelândia, e o Vogue, depois o Sacha’s, no Leme. Mais tarde houve uma acentuada transformação na qualidade (e quantidade) dos noctívagos, com a invasão do Black Horse, do Jirau e do Zunzum pela turma jovem.

Sabemos que são 300, nem mais nem menos, os nomes que fazem os restaurantes da moda, prestigiam as estreias teatrais e movimentam a madrugada, dando assunto para as colunas sociais. Esses 300 podem ser encontrados agora, ao menos uma vez por semana, no Assyrius.

Sendo esta a situação, é fácil concluir que há centenas de milhares de cariocas perdidos na noite, nos fins de semana. São pessoas que trabalham a semana inteira, de preferência jovens e solteiras, que só têm sábado e domingo para a caça ao sexo oposto. São namorados que podem beber vinte chopes (sem couvert, é claro), enganando o estômago no meio da farra com um pedaço de pizza. São visitantes que chegaram da província e querem enturmar, mas não sabem onde, visto que os bares fecham relativamente cedo, e eles moram longe e há sempre o perigo do assalto na encruzilhada escura. São casais que já se aproximam do momento lindo e perigosíssimo do amor — aquele momento que pede refúgio urgente entre quatro paredes, mas lhes falta dinheiro para o pernoite no hotel dito suspeito.

Em São Paulo, onde já fui turista pobre no espaço de seis meses, havia sempre (e ainda há) o conforto da multidão da madrugada. Bastava, mergulhado na garoa, zanzar ali na esquina do pecado, onde fica o Jeca: avenida Ipiranga com avenida São João. Bem iluminado, o local está sempre cheio de gente, e nos balcões nos esperam a caipirinha, a cerveja, o cafezinho, o quibe, a empada.

No Rio não há nada disso já que, se o tema é lazer, somos uma cidade sem centro geográfico. Um namorado que mora na Urca e uma namorada que mora em Copacabana devem separar-se à meia-noite de sábado, como na história de Cinderela, mesmo quando preferem aproveitar o dia inútil para verem nascer o sol no mar.

A grande ilusão daqueles que esperam a implantação de uma indústria turística reside na crença de que turismo e riqueza são sinônimos. Nada disso. O turista é o viajante que dedica um determinado número de dias para, gastando tal quantidade de dinheiro, conhecer a cidade em todos os seus ângulos, nela dissolvendo-se quando se apresenta a ocasião. Duzentos estudantes de Belo Horizonte ou Campina Grande, em férias no Rio, representam um movimento comercial superior ao provocado por dois supermilionários hospedados no Copacabana Palace, no mesmo período.

Mas para esse turista modesto, que é multidão, o Rio de Janeiro parece proibitivo. Os pequenos hotéis oferecem um conforto que podemos qualificar hediondo, e cobram diárias relativamente caras. Nos pequenos restaurantes não há condições satisfatórias de higiene, e ainda uma vez o preço é caro. Tecnicamente falando, o visitante não dispõe de lugar algum onde possa fazer pipi sem experimentar uma sensação de nojo. E assim por diante. O que explica o gigantismo esquizofrênico de Copacabana: — nesta cidade, você tem que viver acima do seu padrão de vida, ou então resvalar para a miséria. A desproporção entre o pobre e o rico não tem similar em nenhuma outra cidade turística.

Sendo assim, não é nada espantoso que o Cinema Veneza tenha recebido multidões de espectadores de sábado para domingo, quando o filme Love Story foi exibido em sessões contínuas pela madrugada. Eram os namorados, eram os boêmios remediados, eram os forasteiros solitários, era o local de encontro daqueles que, como eu em São Paulo, pretendiam aquecer-se no seio da multidão, o que é uma forma de se sentir alguém.

Creio que estas observações podem interessar a um homem de iniciativas ousadas no campo da diversão. Ricardo Amaral, olha aí uma freguesia virgem à sua disposição...

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