Fonte: Os olhos dourados do ódio. José Álvaro Editor, 1960, pp 41-44. Publicada,  posteriormente, no Caderno B, coluna "O homem e a fábula", do Jornal do Brasil, de 22/12/1961.

― Para aqueles que tinham um lar e de repente se encontram sozinhos, separados, tendo que reconstruir a vida. 

― Para aqueles que foram abandonados e até hoje não se refizeram; que querem voltar, mas sabem que é impossível; que, entretanto, amam perdidamente a pessoa que está longe. 

― Para aqueles que, mais uma vez, viram o ano passar sem realizar um sonho aquecido desde a infância. 

― Para aqueles que estão numa situação da qual não sabem sair; que a todo instante se perguntam: “Meu Deus, como vim parar aqui”? 

― Para aqueles que estão sem dinheiro e não veem a maneira como hão de ganhá-lo.

― Para aqueles que estão bebendo demais e, quando acordam, lembram-se de que perderam mais um amigo no escândalo que ocasionaram na véspera. 

― Para aqueles que estão sendo castigados sem culpa; nos quais, embora inocentes, ninguém acredita; que ninguém ama ou compreende. 

― Para aqueles que, por outro lado, julgaram precipitadamente alguém, ou magoaram, ou humilharam, e agora se sentem flechados pelo remorso. 

― Para aqueles que foram acometidos pela doença e sequestrados para um hospital, onde a todo instante são incomodados pela ideia da morte. 

― Para aqueles que fracassaram na sua profissão, na sua arte, no seu curso.

― Para aqueles que, quando a noite chega, não sabem onde vão dormir. 

― Para aqueles que querem mudar de personalidade ― que não têm sido como desejam ― e que não sabem como fazer. 

― Finalmente, para aqueles que se julgam perdidos: que preferiam estar mortos ou nunca haver nascido. 

Minha solidariedade. E uma insinuação: por que não começar tudo outra vez? Temos um ano inteiro pela frente: por que não amar outra vez, sofrer outra vez, conseguir e perder outra vez, arriscar tudo outra vez ― viver novamente como se fora uma novidade? 

Qualquer coisa má que aconteça a qualquer pessoa, no dia seguinte se transforma em coisa boa ― pelo fato de já ter acontecido. Portanto ― confiança no futuro.

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