Machado de Assis

Joaquim Maria Machado de Assis (1839-1908) nasceu no Morro do Livramento, no Rio de Janeiro, durante o período do Brasil Império. Negro e de origem pobre, viveu durante o Segundo Reinado e presenciou tanto a abolição da escravatura em 1888, quanto os primeiros momentos da República no Brasil, proclamada no ano seguinte. Foi um homem de seu tempo e sofisticado intérprete da sociedade brasileira, sempre atento às suas falhas, contradições e hipocrisias.

Na adolescência, Machado de Assis já se interessava pelas letras e produziu seus primeiros versos. Desde então, praticou vários gêneros literários – escreveu poemas, contos, romances, crônicas, peças de teatro, crítica e ensaios, além de ter atuado como tradutor. Algumas das mais importantes narrativas curtas da literatura brasileira, como “A cartomante” e “Pai contra mãe”, são de sua autoria. Também são dele alguns dos romances mais lidos e estudados de toda a língua portuguesa, como Memórias póstumas de Brás Cubas e Dom Casmurro

A mesma perspicácia que demonstra em sua ficção diante da conturbada realidade social em que vivia aparece em suas crônicas, muitas vezes assinadas com pseudônimos, como Lélio e Manassés. Em alguns casos, também assinou simplesmente como M.A. Pouco depois de publicar seus primeiros poemas, Machado passou a ser colaborador do renomado periódico Correio Mercantil. Reconhecido pelo círculo intelectual do Rio de Janeiro, o escritor expandiu sua atuação na imprensa, publicando também em outros periódicos importantes, como o Diário do Rio de JaneiroJornal das Famílias e a Semana Ilustrada. Por intermédio da letra, o menino pobre do Morro do Livramento deixou sua marca singular na história do Brasil.

Segundo levantamento do crítico John Gledson, Machado escreveu mais de 600 crônicas ao longo de sua profícua carreira literária. Um dos pontos de destaque da crônica machadiana é a fluidez da metalinguagem, como se observa na clássica “O nascimento da crônica”. Narrando a conversa de duas vizinhas que se juntam para discutir trivialidades, o cronista oferece uma inventiva hipótese do surgimento do gênero. Além disso, frequentemente se vale do humor com excelência. É o caso da crônica publicada na Gazeta de Notícias em 19 de maio de 1888, poucos dias após a assinatura da Lei Áurea. No texto, Machado narra a alforria de um escravizado de apenas dezoito anos, cujo senhor se vale da situação para tentar promover sua campanha a deputado. Diante do que se segue, o homem branco ironiza que o jovem negro, agora livre, “aceitou tudo; aceitou até um peteleco que lhe dei no dia seguinte, por me não escovar bem as botas; efeitos da liberdade”.

A propósito, o tema da raça e o fim da escravidão no Brasil são pontos fundamentais para uma leitura crítica renovada do célebre escritor. A seu modo, Machado de Assis foi uma voz contrária à escravidão, instituição nefasta que deixou um legado de pautas urgentes no último país a aboli-la. País este, aliás, que cultiva múltiplas formas de segregação – a ponto de, por exemplo, constar na certidão de óbito do imortal escritor que ele seria branco. A ironia final que restou na morte de quem, como poucos, soube ironizar a vida.

Gabriel Chagas